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Como o Brasil se Insere no Contexto da Transição Netzero


por Samara Poppe Carvalho

Já não é uma novidade: a mudança climática traz consigo a necessidade de transformações importantes de parâmetro social, econômico e cultural no mundo como um todo. A correlação positiva entre as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) e o aumento da temperatura da Terra tem acarretado, ano após ano, grandes transtornos, tais como o declínio da biodiversidade, secas/chuvas intensas, aumento do nível do mar e eventos correspondentes aos descritos, que tendem a se intensificar, caso não sejam implementadas soluções urgentes. À vista disso, iniciativas[1] têm se aflorado nas disputas geopolíticas e nas agendas diplomáticas internacionais, o que evidencia uma compreensão mundial da importância do processo de transição verde e dos custos – ambientais, econômicos e sociais – decorrentes de uma não transição.

Dentre as discussões que vêm sendo disseminadas nos ambientes institucionais, acadêmicos e empresariais, tem ganhado destaque a chamada “Política NetZero”, que é definida como o estabelecimento de diretrizes, em diversos âmbitos, que intentam zerar as emissões líquidas de GEE na atmosfera – mais especificamente, o dióxido de carbono. Um relatório recente, publicado em janeiro de 2022 pela McKinsey & Company, apresenta uma prospecção dos efeitos econômicos e sociais de uma transição NetZero, levando em conta aspectos de demanda, alocação de capital, custos e empregos, em um horizonte temporal até 2050.  Intitulado The NetZero Transition: what it would cost, what it could bring, o relatório avaliou as semelhanças entre 69 países – por sua vez, responsáveis por cerca de 85% das emissões totais – e agrupou as economias em 6 grandes grupos.

A divisão considerou as características comuns aos países no que se refere ao processo de transição líquida zero, considerando os seguintes parâmetros:

  • os gastos gerais em ativos físicos para o sistema de energia e uso da terra;
  • a exposição das economias à transição (setores mais propensos ou necessários para a transição, utilizando variáveis como emprego, estoque de capital, PIB, dados sobre emissões domiciliares per capita);
  • as dotações de capital natural; e
  • a disponibilidade de capital tecnológico humano (defende-se como uma espécie de vantagem comparativa dos países).

Assim, as 69 economias da amostra foram categorizadas nos grupos abaixo:

  • Produtores de recursos de combustíveis fósseis;
  • Produtoresintensivos em emissões;
  • Economias baseadas naagricultura;
  • Países de uso intensivo da terra;
  • Fabricantes downstream-emissions[2];
  • Economias baseadas em serviços

O Brasil está alocado no grupo de países de uso intensivo da terra, no qual também fazem parte a Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, Malásia, Panamá, Peru e Uruguai. Esses países têm, como característica determinante, o setor agrícola como fonte de grande parte dos recursos da economia, no que se refere a variáveis tais como PIB, emprego e estoque de capital. Além disso, alguns desses países, em especial o Brasil, têm forte potencial de crescimento em setores de minérios/metais (cruciais para a produção de tecnologias de baixa emissão) e de energia renovável, setores esses, portanto, fundamentais no processo de transição verde.

Vale a recordação de que as transformações econômicas mais relevantes no período pós-Revolução Industrial[3] são marcadas por mudanças na matriz energética, tais como o uso do vapor, a descoberta da eletricidade e o uso da petroquímica[4]. As tendências mundiais da transição NetZero se voltam, portanto, para o desafio da expansão sustentável do potencial de energia, visando nas energias renováveis e nos processos de geração de energia com baixas emissões. O Brasil se destaca principalmente no que tange ao processo de transição energética, devido ao rico estoque de capital natural presente na geografia nacional e na matriz de energia considerada mais limpa, que conta com grande potencial no setor de biocombustíveis. Entretanto, acrescenta-se que o estudo da McKinsey & Company se define como um exercício ilustrativo e não exaustivo, isso significa que, apesar de o Brasil, por exemplo, estar inserido em determinado cluster, não há impedimentos de que a economia brasileira aborde as oportunidades inseridas dentro de outros clusters.

No mais, há um alerta para o grupo no qual o Brasil está inserido: é preciso repensar sobre o uso da terra nesses países. Ações tais como a redução do desmatamento, a diversificação econômica, práticas agrícolas de baixa emissão e reflorestamento (esse, inclusive, pode gerar créditos de carbono para vendas em mercados internacionais) são de fundamental importância para que se proceda, de maneira mais eficiente, uma transição verde. É importante, nesse sentido, que os países estejam atentos às oportunidades e barreiras do processo de transição verde. Com esse intuito, o relatório abarcou pontos importantes para o futuro NetZero, dentre eles, os pressupostos para um processo de transição – que podem servir como um suporte para estimar os caminhos possíveis para um processo de transformação com menos impacto negativo e mais eficiência. Eles são apresentados na Tabela (1).

Tabela 1. Pressupostos de uma transição NetZero.

Pressupostos Descrição
Universalidade O processo de transição deve abarcar todos os setores da economia.
Significância O processo de transição deve ter efeito em grande escala, o que demandará grande aporte de recursos.
Efeitos Antecipados Isso significa que os custos de uma transição podem ser maiores durante o início do processo e, posteriormente, baratearem. O relatório indica, por exemplo, que o custo da eletricidade fornecida, dentro de um cenário NetZero, aumentaria 25% em relação aos níveis de 2020 até 2040, incluindo custos operacionais, custos de capital e depreciação de ativos novos e existentes, mas que após um tempo, com a inclusão de novos processos/produtos e os efeitos de escala, esse custo diminuiria.
Desigualdade O processo de transição será sentido de forma desigual, resultando em desafios específicos de cada grupo de interesse, sistemas, setores econômicos e geografias.
Exposição à riscos de curto prazo Riscos tais como físico-climáticos ou de adaptação do mercado de trabalho.
Rica em oportunidade O processo de transição trará novas oportunidades de crescimento, no sentido de explorar mercados, novos produtos/processos, no que tange, por exemplo, a substituição de produtos por novos de baixo carbono e nas formas alternativas de energia – hidrogênio, biocombustíveis, biomassa e etc.

Fonte: Elaboração própria.

O Brasil, em relação às políticas de transição NetZero, tem sido apresentado com um player do processo, principalmente no que tange a transição energética, tanto por meio de potencialidades no setor de energias renováveis (eólica, solar, fontes a partir do hidrogênio e etc), como por ser um iminente exportador de créditos de carbono[5]. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, a COP26, o governo brasileiro se comprometeu em reduzir 50% das suas emissões de GEE até 2030, atingir a neutralidade de carbono até 2050[6] e apresentou iniciativas[7] para preservação da floresta e recuperação de áreas desmatadas[8], o que é congruente com os objetivos mundiais da transição NetZero e do escopo da pesquisa apresentada pela McKinsey & Company.

Como visto, a compreensão da importância e da urgência da transição líquida zero sugere, intrinsicamente, um papel de cooperação global e local. Fica o questionamento, por fim, se o Brasil estará na vanguarda desse processo e se poderá contar com lideranças – institucionais e da cadeia produtiva – capazes de guiar a economia para as metas estipuladas, tirando-as do papel e, de fato, tomando decisões ambientais que estejam em consonância com o que é proposto para o mundo. Apesar de se apresentar como um grande desafio, a transição para uma economia de baixo carbono já não é algo que se possa ignorar e, como apresentado, há potencialidades de crescimento a serem exploradas nos diversos âmbitos das economias durante o processo de transição. Nesse sentido, as atuais formas de produção, comércio internacional e padrões tecnológicos necessitam ser revistos, assim como os custos devem ser internalizados e políticas que almejam amenizar/prevenir os impactos da mudança climática devem ser implementadas.

 REFERÊNCIAS

Entenda os compromissos assumidos pelo Brasil na COP26. CNN Brasil, 03 de novembro de 2021. Disponível em:< https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-os-compromissos-assumidos-pelo-brasil-na-cop26/>

KRISHNAN, M; SAMANDARI, H.; WOETZEL, J.; SMIT, S; PACTHOD, D.; PINNER, D.; NAUCLER, T.; TAI, H.; DARR, A.; WU, W; IMPERATO, D. The Net Zero transition: What it would cost, what it could bring. Mckinsey & Company: Janeiro de 2022.

MACHADO, Nayara. Países podem explorar capital natural para superar exposição à transição; Brasil é um deles. EPBR, 8 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://epbr.com.br/paises-podem-explorar-capital-natural-para-superar-exposicao-a-transicao-brasil-e-um-deles/

O que são as mudanças climáticas?. Nações Unidas Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/150491-o-que-sao-mudancas-climaticas#:~:text=As%20consequ%C3%AAncias%20das%20mudan%C3%A7as%20clim%C3%A1ticas,catastr%C3%B3ficas%20e%20decl%C3%ADnio%20da%20biodiversidade

 

[1] Tais como o Acordo de Paris, as Conferências das Partes (especificamente, a COP26) e a insatisfação mundial do contexto diplomático entre EUA e China.

[2] Emissões a jusante –  se refere à quantidade de CO2 emitida durante o uso dos bens, que são fabricados em grande escala por esses países. Esses bens incluem equipamentos de transporte, maquinário industrial, eletrodomésticos e etc.

[3] Em meados do século XIX, por volta de 1845.

[4] A teoria neosshumpeteriana, inclusive, cita essas grandes transformações como “ondas de inovação”.

[5]Ver:https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/brasil-comemora-protagonismo-nas-negociacoes-para-criacao-do-mercado-global-de-credito-de-carbono

[6] Até o momento o governo não apresentou quais seriam as ações práticas para atingir as metas de redução dos GEE e da neutralidade de carbono.

[7] Como, por exemplo, o Programa Nacional de Crescimento Verde e o Forest Deal.

[8] Um grande desafio para isso será o setor agropecuário, tanto no que se refere à redução das emissões de gás metano, como em relação às questões políticas relacionadas aos grupos de interesses, vide os conflitos com as terras indígenas.

Samara Carvalho é Economista, mestranda pela UFSM e analista do Ideies.

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