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Ambiente de negócios no Brasil: Episódio I – A definição da estrutura tributária e o começo da Guerra Fiscal


por Felipe Tavares

Essa série de artigos irá abordar um tema que está em grande visibilidade na sociedade brasileira, o ambiente de negócios. Mas o que é esse tal de ambiente de negócios? De forma bem resumida, o ambiente de negócios é tudo o que o empresário leva em conta para empreender. O Banco mundial possui um relatório que mede o ambiente de negócios de 190 países e o Brasil está em 125º, abaixo da média dos outros países da América Latina (110º). Apesar da posição ruim do Brasil, o relatório aponta pontos positivos como acesso ao crédito, tamanho do mercado consumidor e acesso à energia. Os pontos negativos são: baixa qualificação da mão de obra, infraestrutura precária, mercado de trabalho rígido, excesso de regulamentação, insegurança jurídica e complexidade tributária. E é nesse último ponto que vamos trabalhar nesse artigo e nos próximos: a complexidade tributária.

Então, vamos começar pelo começo. No Brasil temos tributos federais (II, IOF, IPI, IRPF, IRPJ, ITR, Cide, Cofins, CSLL, FGTS, INSS, PIS/Pasep), estaduais (ICMS, IPVA, ITCMD) e municipais (IPTU, ISS, ITBI). Nesse momento vamos abordar o ICMS, com abrangência, inclusive, do ICMS/ST, devido a sua importância na operação das empresas e por esse ser o imposto da famosa Guerra Fiscal. O ST ficará claro ao final do texto (assim espero).

Existem 30 alíquotas oficiais existentes no ICMS. São 27 alíquotas internas dos estados (variam entre 12% e 25%), 2 interestaduais para produtos nacionais (7% ou 12%) e 1 interestadual para produtos importados (4%).  O ICMS é um imposto não cumulativo. Isso significa que as alíquotas incidem em uma base na compra do produto fazendo um crédito e depois em outra base na venda fazendo um débito. No final, o crédito e o débito são contabilizados e paga-se o saldo caso ele seja negativo (devedor) ou acumula-se o saldo caso seja positivo (credor).

Como decide qual alíquota utilizar? A regra é clara, Arnaldo (ou não tão clara assim). Cada estado tem a sua alíquota interna, ou seja, para vendas dentro do mesmo estado utiliza-se a alíquota de referência interna e pronto. Para vendas interestaduais se a origem é de algum estado do Sul, SP, RJ ou MG e o destino é ES, NE, N ou CO a alíquota de saída é 7%. Mas se o destino é Sul, SP, RJ ou MG a alíquota é 12%. E para origem ES, NE, N ou CO para qualquer destino a alíquota é 12%. E alíquota interestadual é sempre 4% para produtos importados.

Ok, entendi. Faço o cálculo do crédito do imposto na compra pela alíquota que eu recebi a mercadoria e depois na minha venda eu aplico a alíquota devida e calculo o débito. Aí no final faço a conta de quanto eu pago para o governo ou quanto ele me paga. Certo? Sim e não. Quando o saldo é negativo, sim, nós pagamos ao governo. Mas quando o saldo é positivo, não, o governo não nos paga. Por isso quando uma empresa acumula crédito de ICMS ela carinhosamente nomeia ele de crédito podre. Porque é um crédito que não é crédito e impacta diretamente o caixa das empresas, pois reflete imediatamente no cálculo do custo das mercadorias (o famoso CMV) e tem consequência direta na contabilização da rentabilidade.

Apesar dessa confusão, a confusão não acaba aí. Essa é a descrição da operação de vendas entre empresas que tem regime especial. E quando uma das empresas não tem regime especial? Aí é que entra a ST.

A ST foi criada porque é muito difícil para o governo fiscalizar todas as transações entre empresas até o consumidor final. Essa dificuldade operacional fez com que o governo criasse um modo de antecipar o ICMS da cadeia. Assim, a venda do produto é atualizada por um índice de valor adicionado (IVA ou MVA, são sinônimos. Mas como se trata de complexidade, o Brasil criou dois nomes para a mesma coisa) e incide-se o ICMS sobre essa base ajustada e paga-se o imposto na primeira etapa e os demais players da cadeira passam a contabilizar 0 de ICMS. Isso vale para operações dentro do mesmo estado, então quando há uma operação interestadual e o produto já está com a ST no custo faz-se a restituição do valor e voltamos para a operação de crédito e débito conforme descrita anteriormente.

Nossa, que bagunça. Mas pera aí, estamos falando de vendas entre empresas. E como fica quando a venda é para o consumidor final? Quando falamos de varejo físico, se a mercadoria já está com ST o ICMS de saída é zero e quando a empresa tem regime especial debita-se o valor do interno do estado. Mas e quando é um e-commerce e a venda é interestadual? Paga-se somente a alíquota do interestadual? Infelizmente, não. Aí entra a Diferencial de Alíquota (“Difal”). Quando vamos vender para um consumidor final em outro estado temos que pagar a alíquota interestadual, afinal é uma regra, mais a diferença da alíquota interestadual e do interno do destino do consumidor. Isto é, se vamos vender um produto de SP para um consumidor no RJ a alíquota interestadual é 12% e temos que pagar mais 8% (20% interno do RJ – 12% interestadual) para completar a alíquota do destino. Mas para quem pagamos? Em 2018, a regra é que 20% do valor do Difal fica no estado remetente e 80% vai para o destinatário. A partir de 2019 isso muda, sendo que 100% do Difal ficará no destinatário.

Não bastasse todas as regras, presença de regime especial ou não, crédito, débito, difal, ainda temos os benefícios que reduzem alíquotas e mudam bases de cálculos. Por exemplo, produtos relacionados à informática, telecomunicações e automação com PPB vendidos de SP para SP ao invés de saírem com 18% de ICMS saem com 12%. Outro exemplo, em SP a alíquota interna de ICMS de consoles (vulgo vídeo games) importados é 25% ao invés de 18%. Mais um exemplo, para vendas interestaduais a partir do ES existe um benefício chamado COMPETE que reduz a alíquota de saída a 1,15% e limita o crédito da entrada a 7%.

Deste modo, as diferentes alíquotas, as inúmeras regras e os incontáveis benefícios criam um ambiente de disputa entre os estados. Daí vem o termo Guerra Fiscal. Os estados literalmente brigam entre si para angariar investimentos. Mas como estamos falando de guerra, os estados criam estratégias de defesa para as jogadas dos outros estados. Em termos práticos, o estado de MT não reconhece crédito de ICMS de nenhum outro estado do Brasil, assim o ICMS de entrada vira custo das empresas mato-grossenses. Já o estado do RS reduz o crédito de ICMS de 12% para 8% de todos os produtos vindos do ES. BA e MG até pouco tempo não reconheciam crédito de ICMS do ES por causa do COMPETE. Mas tudo isso que eu acabei de mencionar pode mudar, pois os acordos entre os estados mudam a todo momento.

De fato, ninguém pode duvidar que estamos falando de uma guerra. Todas essas regras e exceções complicam a vida das empresas, porque mesmo que uma empresa queira pagar todos os impostos corretamente ela pode errar devido à complexidade. Agora pense uma empresa estrangeira que queria iniciar suas atividades aqui no Brasil, como explicar tudo isso? E depois de ela entender, como explicar que isso tudo pode mudar? Inviável. Na verdade, isso é viabilizado através de um gasto elevado em estratégia fiscal e advogados tributaristas.

Todo esse custo entra na precificação dos produtos e na rentabilidade mínima exigida pelas empresas, afinal estamos falando de incerteza, e sob incerteza, as empresas tem que provisionar valores para eventuais perdas. Esses custos adicionais entram no famigerado risco Brasil.

Agora imagine um novo empreendedor que não tem uma estrutura jurídica e contábil para assessorá-lo e não tem também capital de sobra para desperdiçar (lembre-se de que para meros mortais não existe taxa subsidiada, o capital de giro é financiado a aproximadamente 20% a.a.). Pois é, a nossa complexidade faz com que a chama do espírito animal se apague.

Felipe Tavares é analista de princing na ALLIED tecnologia.
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1 Comment on "Ambiente de negócios no Brasil: Episódio I – A definição da estrutura tributária e o começo da Guerra Fiscal"

  1. Parabéns pelo artigo Felipe Tavares!
    Muito esclarecedor!

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