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Legislação urbana e a produção imobiliária informal – Parte 1


por Pedro Henrique Negreiros

“A verticalização nas favelas fará novas vítimas”. “Especulação imobiliária informal e ação do crime ajudam explicar tragédias”. Essas são a manchete e o olho deste artigo[i], escrito pelo urbanista Nabil Bonduki para a Folha de São Paulo, que explica que tragédias como a de Muzema, onde dois prédios caíram, matando 24 pessoas, em fevereiro deste ano, são consequência da “transformação acelerada das favelas das grandes metrópoles em um território de especulação imobiliária informal, aberto para um selvagem processo de produção de moradias”, que são construídas “sem responsável técnico, sem projeto arquitetônico, sem cálculo estrutural e sem registro imobiliário”.

O artigo chama atenção para um problema urgente. A produção de moradias (por milicianos, ou não), sem responsável técnico, projeto arquitetônico e cálculo estrutural, é uma realidade e coloca em risco população mais vulnerável das cidades. No entanto, ao concluir que a solução para o problema se dará “através de um amplo programa social”, capaz de atender essa população, o autor comete um erro muito comum por aqui: não atacar a raiz do problema.

Neste artigo, abordarei as principais causas da produção imobiliária informal e num segundo, as possíveis soluções e exemplos de cidades que tem conseguido lidar bem com a questão habitacional.

Para chegarmos à raiz do problema, a primeira pergunta a ser feita deveria ser: por que estão produzindo moradias de baixa qualidade, sem projeto e sem responsável técnico? A resposta é simples: porque parte da demanda por novas moradias vem de pessoas que não tem condições de pagar por um imóvel produzido pelo mercado formal.

Podemos perceber, portanto, que antes de haver um problema de moradias irregulares, há um problema de acessibilidade ao mercado imobiliário formal. E o que está impedindo essas pessoas de acessarem este mercado?

As cidades fazem dois tipos de restrições a ele: uma é pela limitação artificial da oferta de imóveis e a outra, ao exigir um nível mínimo de qualidade relativamente alto para um imóvel estar regularizado.

A limitação de oferta de moradia

A primeira restrição é causada basicamente pelos índices de controle urbanístico, contidos nos planos diretores. Coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação e outros termos técnicos são parâmetros limitadores do potencial construtivo de um lote que, em nome de um suposto ordenamento do crescimento urbano, limitam a oferta de imóveis nas áreas urbanas.

Acontece que, ao limitar o potencial construtivo em áreas demandadas, os planos diretores restringem a oferta onde as pessoas gostariam de morar. Isso gera uma situação confortável para quem já mora nessas regiões, mas cria um efeito cascata, que joga quem tem menos condições para longe do centro.

De acordo com Anthony Ling[ii], Arquiteto e Urbanista que frequentemente trata sobre habitação, o impedimento do atendimento às demandas pelos limites de área construída e densidade é uma das principais causas do déficit de moradia e de preços pouco acessíveis para imóveis nas regiões centrais de grandes cidades. Tal efeito foi demonstrado em uma série de estudos recentes, como “The Impact of Zoning on Housing Affordability”[iii], do economista Edward Glaeser.

A explicação é que o preço de mercado tende a igualar a oferta à demanda. Então, se a demanda por ocupar o mesmo espaço não se refletir em maior oferta imobiliária, haverá um impacto inevitável no preço.

Normas de qualidade das construções

Já a segunda forma de restrição ao mercado imobiliário formal se dá pela definição das condições mínimas consideradas aceitáveis para se construir uma moradia (o tamanho de um apartamento ou de um dormitório, o padrão construtivo, qualidade de ventilação, entre outras).

No papel, podemos exigir telhados verdes, reuso de água, vagas de garagem e tamanho mínimo de salas e janelas, tudo visando a melhor qualidade do espaço construído para todos. Mas, na vida real, os cidadãos que não tem condições de pagar pelo padrão de qualidade exigido são destinados à informalidade e, muitas vezes, a situações de risco.

O problema dessa política, portanto, é considerar que todos vão morar como classe média imediatamente. Evidentemente, é importante prezar pela segurança e desejável que se garanta um certo nível de qualidade para as habitações. Mas se as exigências estiverem acima dos recursos disponíveis, quem não conseguir o acesso às unidades que estão sendo produzidas continuará na informalidade.

O planejamento urbano atual, dessa forma, acaba controlando apenas a cidade formal, como se a cidade informal não existisse. Mas ela existe e está apresentando cada vez mais problemas, como se pode ver no noticiário.

Mas, discordando de Bonduki, mais do que um amplo programa social, precisamos de um amplo processo de revisão regulatória sobre a produção imobiliária e sobre o que consideramos moradia adequada, sem fechar os olhos para a realidade de quem vive na ilegalidade, não por opção, mas por necessidade.

Na segunda parte deste artigo, abordarei o que se tem feito em cidades que estão conseguindo lidar bem com esse problema.

[i] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/04/a-verticalizacao-nas-favelas-fara-novas-vitimas.shtml

[ii] https://caosplanejado.com/equalizacao-e-potencializacao-do-uso-do-solo-urbano/

[iii] https://www.nber.org/papers/w8835

 

Pedro Henrique Negreiros é arquiteto e urbanista.

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