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O setor de energia em transformação


por Marília Silva, Thais Mozer e Marcos Morais

A economia ancora suas bases na disponibilidade de energia[1] desde a Revolução Industrial, condicionando o desenvolvimento econômico e social de todas as regiões. Mas, diante da necessidade de zerar as emissões líquidas de gás carbônico (CO2) para limitar a elevação da temperatura média global a 1,5ºC até 2050, a forma como a energia é disponibilizada precisará ser transformada desde a sua geração até o seu consumo final.

A matriz energética mundial tem predomínio de fontes não-renováveis (86,2% em 2018), como o carvão, petróleo e o gás natural. Como desdobramento desta composição, o setor de energia é o maior responsável pelas emissões totais de CO2 no mundo (61% em 2020)[2]. Realidade que acaba não sendo compatível com as atuais necessidades de zerar as emissões líquidas de gás carbônico.

Diante deste contexto climático, o setor de energia precisará fazer uma transição energética para uma matriz descarbonizada e com maior participação de fontes limpas. Para tanto, as mudanças precisam ser feitas pelo lado da oferta de energia, adotando soluções voltadas à neutralização das emissões de gases de efeito estufa e investindo em energias renováveis. E, também, pelo lado da demanda de recursos energéticos, que necessitará adequar as tecnologias produtivas, à exemplo do desenvolvimento de motores compatíveis com os novos combustíveis; aumentar a eficiência energética, por exemplo, trocando aparelhos de maior consumo de energia por outros mais eficientes; e modificar hábitos cotidianos da população, como passar a utilizar mais transportes públicos ao invés do carro com motor à combustão.

Devido à necessidade de implantação maciça de tecnologia e por causa dos riscos envolvidos[3] nessa transformação do sistema de energia, a Agencia Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) afirma que esse processo precisa ser amparado por políticas privadas e, principalmente, públicas por meio de elaboração de planos energéticos.

Iniciativas nesse sentido estão sendo adotadas em diversos países. Por exemplo, em maio deste ano, a União Europeia (UE) lançou o Plano RePowerEU, que investirá 300 bilhões de euros por ano para descarbonizar o setor energético do bloco e tem a pretensão de torná-lo independente dos recursos fósseis da Rússia. Em resumo, é um plano que visa garantir a segurança energética dos países membros da UE a partir do uso de energias mais limpa (ou, como utilizado, “verde”).

Durante o Fórum Econômico Mundial ocorrido no mês de maio, algumas ideias para fazer essa transformação no setor de energia de forma segura e compatível com as necessidades climáticas estão sendo propostas e discutidas[4], tais como: investir em instalações de gás natural, que é uma fonte fóssil de menor emissão de CO2; desenvolver soluções tecnológicas que permita a produção de petróleo e gás natural neutros, ou seja, sem fuga de metano e com captura de carbono; estimular a geração de energia localmente para reduzir a dependência externa de recursos energéticos, por meio do uso das fontes eólica, solar, nuclear e da bioenergia; e aperfeiçoar os mercados de créditos de carbono, que é um sistema de compensações de emissão de gases de efeito estufa.

No Brasil, o setor de energia, em relação a emissão de CO2, está em uma situação um pouco mais cômoda do que à média mundial. As fontes não renováveis responderam por 53,9% da oferta interna bruta do país em 2019. Em relação à parte utilizada para a geração de energia elétrica, 83,0% foram de fontes renováveis. Em função dessa matriz mais limpa, apenas 18,2% das emissões brutas de gás carbônico no Brasil são originárias do setor energético, percentual menor do que as emissões geradas pelo uso da terra (46,2%) e pela agricultura (26,7%)[5].

Mesmo estando nessa posição mais confortável, a matriz energética nacional também precisa se descarbonizar. Nessa direção, o Governo Federal publicou o decreto nº 11.075 de 19 de maio de 2022[6] que estabelece procedimentos para a elaboração de planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas para os setores de energia (geração e distribuição de energia elétrica, no transporte público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros).

Acrescente-se que o decreto se estende para algumas atividades da indústria de transformação[7], para a indústria da construção civil, para os serviços de saúde e para a agropecuária. Caberá a esses setores, em um prazo de 180 a 360 dias, a proposições de medidas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, considerado o objetivo de longo prazo de neutralidade climática.

Já no Espírito Santo, a matriz energética está em uma posição, em termos de emissões de CO2, melhor que a média mundial (61%), mas atrás da brasileira (18,2%), respondendo por 32,4% das emissões brutas de gás carbônico estaduais em 2020, maior parcela entre os setores no estado. Esse resultado capixaba é consequência da maior presença de fontes não-renováveis na matriz energética (75,4% em 2019), tais como o carvão e o coque mineral (40,4% da oferta interna bruta estadual de recursos energéticos em 2019) e o petróleo e derivados (16,5% dessa oferta). Na parte direcionada à geração de eletricidade no estado[8], o peso das fontes não-renováveis foi de 58,0% em 2019, último dado disponível.

Neste contexto de necessidade de se pensar no futuro do setor, solucionar gargalos atuais e de se descarbonizar, a Findes iniciou, em 2022, a elaboração de um planejamento estratégico de longo prazo para o setor de energia intitulado “Rota Estratégica para o Futuro da Indústria do Espírito Santo – Energia 2035”, no âmbito do projeto Indústria 2035[9].

Essa iniciativa construirá, a partir da contribuição de especialistas, uma agenda de ações de curto, médio e longo prazo[10] para que o setor de energia do Espírito Santo seja referência global em eficiência e segurança energética, com uma matriz diversificada, aproveitando os recursos locais, gerando competitividade com responsabilidade socioambiental.

A Rota Estratégica de Energia – 2035 conterá ações para: aproveitar as potencialidades energéticas do estado; expandir a geração de energia mais limpa; neutralizar as emissões de CO2; garantir a segurança do abastecimento de energia elétrica[11]; entre outras medidas que serão necessárias para alcançar a visão de futuro almejada pelo setor.

O lançamento desse planejamento está previsto para o último trimestre de 2022.  Por ser a base para o desenvolvimento dos demais conjuntos de atividades econômicas, a execução dessa agenda de ações influirá diretamente na competitividade, na geração de riqueza e na descarbonizarão da economia no Espírito Santo nos próximos anos.

Acrescente-se que a Rota Estratégica de Energia se somará às outras iniciativas existentes no Espírito Santo para além do setor de energia, como o “Plano Estadual de Mudanças Climáticas” (PEMC) e o “Plano de Neutralização de Gases de Efeito Estufa do Espírito Santo”. A Findes participa deste último, por meio do Grupo de Sustentação, com o fornecimento de informações e auxílio na construção e apreciação desse plano.

Portanto, independentemente da localização geográfica e do peso nas emissões de CO2, os desafios climáticos impõem que todo o setor de energia torne a sua matriz limpa e descarbonizada nos próximos 30 anos. Fato que exigirá avanços na fronteira tecnológica da cadeia energética e esforços conjuntos de política pública e privada.

Gráfico 1 – Participação (%) por fonte na oferta interna bruta de energia – Espírito Santo

(*) A energia elétrica importada pelo Espírito Santo é composta por um mix de energias renováveis e não renováveis oriundas do Sistema Interligado Nacional. Portanto, esse item considerou, separadamente, a produção nacional de energia elétrica renovável e não renovável. A energia elétrica importada no Brasil é oriunda de fonte hidráulica (renovável). Fonte: ARSP. Elaboração: Observatório da Indústria/ Findes.

[1] O setor de energia compreende um conjunto amplo e complexo de atividades destinadas a produção, transformação, e comercialização de energia, seja ela elétrica, térmica, mecânica ou de outra forma.
[2] Somatório das emissões para a geração de energia (40%) e o transporte (21%).
[3] Essa transformação exigirá grandes volumes de investimentos em: soluções e tecnologias que ainda não estão estabelecidas; energias renováveis e novos combustíveis, este último que ainda em desenvolvimento; e adequação de infraestrutura de transporte e distribuição.  Por isso, os riscos envolvidos são elevados.
[4] Saiba mais em: https://epbr.com.br/mundo-nao-precisa-escolher-entre-crise-energetica-e-climatica-diz-diretor-da-iea/
[5] Por isso, que no país, as soluções para se chegar ao saldo líquido zero de CO2 precisaram ter um foco maior na redução do desmatamento, na melhoria do uso do solo, em ações direcionadas à agricultura e, também, na necessidade de descarbonizar o setor de energia nacional.
[6] Veja o decreto em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.075-de-19-de-maio-de-2022-401425370.
[7] Deve ser feito pelas seguintes atividades: bens de consumo duráveis, química fina, base, papel e celulose e mineração.
[8] Essa geração de eletricidade no Espírito Santo é proveniente de 70 empreendimentos de geração de energia em operação com 1,7 GW de capacidade instalada, cuja maior parte utiliza como fonte os combustíveis fósseis (825,5 MW em 28 empreendimentos).
[9] O Indústria 2035 surge como importante projeto para a promoção da competitividade no estado do Espírito Santo, colocando-o em patamar de destaque em âmbito nacional e internacional. Para tanto, há a construção de uma agenda estratégica de desenvolvimento sustentável para 17 setores portadores de futuro, considerando o horizonte 2035, à luz de suas potencialidades, visando a maior presença nas cadeias produtivas nacionais e globais. Saiba mais em: https://www.portaldaindustria-es.com.br/publicacao/com-foco-no-desenvolvimento-da-industria-capixaba-ideies-lanca-o-industria-2035; https://portaldaindustria-es.com.br/categorias/industria-2035/arquivos?sub_category=setores-portadores-de-futuro
[10] A Rota Estratégica de Energia é um planejamento feito de forma coletiva pelos representantes desse setor, sob a coordenação do Observatório da Indústria da Findes. A coleta dessas contribuições foi iniciada nos dias 11 e 12 de maio de 2022 com a realização do painel de especialistas.  Neste painel, os especialistas forneceram relatos e informações valiosas à situação atual do setor de energia no estado, apontaram as principais barreiras que precisam ser superadas e fizeram a proposição de ações de curto, médio e longo prazo. Atualmente, o processo de construção coletiva está na fase de entrevistas e de coletas de sugestões por meio de uma plataforma web.
[11] De acordo com a LCA Consultoria, é esperado um crescimento de 3,0% na média anual de 2022 a 2030 no consumo de energia no Espírito Santo, puxado pela expansão de 2,3% a.a. do PIB nesse mesmo período.

Marília Silva é Economista, doutora em economia pela FGV-SP e Gerente Executiva do Observatório da Indústria.

Thais Mozer é Economista, mestre pela UFES e analista do Observatório da Indústria.

Marcos Morais é Economista, mestre pela UFES e analista do Observatório da Indústria.

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2 Comments on "O setor de energia em transformação"

  1. Este foi o quarto artigo que acabei de ler relacionado a esse tema e foi o que mais deixou claro para mim. Gostei. mod

  2. Adorei conhecer seu blog Milena, tem muito artigos bem interessantes.
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