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Por que não há energia eólica no Espírito Santo? Uma Análise dos Desafios e Perspectivas do Setor no estado


por Rafael Cattan

Foi no ano de 1992, em Fernando de Noronha, que se instalou a primeira usina eólica do país. Com apenas 0,225 MW de potência instalada, a usina, à época, era capaz de suprir em torno de 10% da demanda de energia do arquipélago. Ao fim de 2018, o Brasil possuía mais de 14.500 MW instalados de potência, capazes de atender cerca de 10% da demanda de energia elétrica do país. Fruto da combinação de incentivos setoriais, bons ventos e da redução do custo dos equipamentos, o crescimento do setor veio acompanhado de inúmeros benefícios.

Além da geração de energia de forma limpa e sustentável, o que reduz a dependência do regime de chuvas e de combustíveis fósseis, o setor contribuiu para a criação de emprego e crescimento da renda no país. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), cada MW instalado gera, em média, 15 postos de trabalho. Somente em 2017, 2.000MW de nova capacidade instalada foram entregues no Brasil, gerando algo em torno de 30.000 empregos e mais de US$ 3.5 bilhões de dólares investidos no setor. Abaixo, podemos ver a rápida evolução da capacidade eólica instalada do país, incluindo a capacidade contratada até 2024.

 

Figura 1 – Capacidade Instalada Eólica e Prevista (MW)

Fonte: ABEEólica

 

A maior parte desta energia (85%) é produzida no Nordeste onde o regime de ventos mostra-se mais favorável, não apenas por sua velocidade, mas por sua direção e baixa intermitência. O Sul é responsável pelos demais 15% da geração eólica nacional. O Sudeste, por outro lado, conta com apenas uma usina eólica interligada ao Sistema Integrado Nacional (SIN), a CGE Gargaú, localizada no município de São Francisco do Itabapoana, no norte fluminense, sendo irrelevante do ponto de vista da geração nacional. Mas o que explica essa baixa presença do Sudeste, especialmente do Espírito Santo (ES) na geração eólica brasileira? Seria o regime de ventos suficiente para explicar sua ausência?

Segundo o “Atlas Eólico do Espírito Santo”, lançado pelo próprio governo do estado em 2009, o potencial eólico estadual pode chegar a 10.500 MW de potência instalada, o que equivale a mais de 16.000 GWh de energia. Para se ter uma ideia, em 2017, o ES consumiu cerca de 14.000GWh de energia elétrica, segundo dados da Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo. Destas, cerca de 70% é de origem importada. Ademais, da toda geração elétrica do ES, apenas 30% é renovável. Ou seja, o estado apresenta não apenas um déficit energético, mas seu consumo se baseia em fontes não renováveis de energia elétrica. Ainda segundo o “Atlas”, as regiões mais promissoras se dividem em duas: o litoral de Linhares, que apresenta baixa rugosidade do terreno e um excelente regime de ventos e o Litoral Sul, cujo melhor potencial se concentra na faixa de extensão dos municípios de Presidente Kennedy e Marataízes.

Assim como ocorre com demais projetos de geração elétrica (sobretudo de origem hídrica), o licenciamento ambiental é um dos principais entraves ao desenvolvimento da energia eólica na região. No ES, em especial, há forte concomitância de reservas ambientais ou terras indígenas com áreas de melhores regimes de ventos. O caso de Linhares é exemplo disso. Apesar de apresentar médias de velocidade correspondentes às do Nordeste, uma parte significativa da região do município apta à geração eólica fica na Reserva Biológica de Comboios, além de abarcar parte da Terra Indígena de Comboios. Como o registro, junto à ANEEL, para concorrência em leilões de venda de energia requer a permissão de uso do solo por parte do órgão ambiental competente, grande parte do potencial eólico do estado se torna inviabilizado.

De um lado, portanto, há o potencial de exploração de uma fonte de energia renovável, economicamente atrativa, num estado que consome mais energia do que produz e, de outro, a necessidade de preservação do meio ambiente, especialmente do bioma mata-atlântica e sua rica biodiversidade. Como solucionar esta questão?

Duas alternativas se delineiam neste horizonte prospectivo: a) o investimento em empreendimentos offshore e, b) o desenvolvimento de um plano de ação regional. Como o primeiro ainda é inviável do ponto de vista econômico, a atenção dos órgãos competentes deve voltar-se à segunda alternativa.

A lei que rege os procedimentos de licenciamento ambiental de parques eólicos -Resolução nº 462/2014 da CONAMA – determina que cabe ao próprio órgão licenciador (de cada ente federado) estabelecer os critérios de porte aplicáveis para fins de enquadramento de impactos ambientais de empreendimentos eólicos. Neste sentido, a elaboração de estudos detalhados de impacto ambiental, condizentes com as normas aplicáveis locais e respeitando o estabelecido na Resolução nº 462/2014, é um caminho possível para a exploração sustentável de energia eólica no ES. Vale notar que esta norma enquadra, por exemplo, como empreendimentos eólicos de baixo impacto ambiental aqueles situados nas zonas de amortecimento da unidade de conservação, respeitando-se o limite de 3 KM de distância da mesma.

No Brasil, há diversos exemplos de aproveitamento eólico em unidades de conservação de forma harmônica. O Parque Eólico da Serra Catarinense, por exemplo, se localiza entre quatro diferentes unidades de conservação, se interpondo, inclusive, à zona de amortecimento de um Parque Nacional[1]. Como mostra a reportagem feita pelo O Globo, o Parque Nacional do Boqueirão da Onça (BA) é outro exemplo ilustrativo, visto que abriga não somente uma rica biodiversidade, mas também um parque eólico com capacidade de 189MW de potência instalada.

Conforme mostra levantamento do MMA, quando questionado sobre as maiores dificuldades de licenciamento ambiental, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do ES revelou que “dificuldades de obtenção de informações técnicas” e o “ineditismo no estado” como principais entraves. Ou seja, parte do problema depende do interesse das próprias autoridades, sejam elas os órgãos reguladores responsáveis, sejam elas representantes do Executivo com gana para viabilizar empreendimentos eólicos.

É imperativo, portanto, que as autoridades deem a devida importância a um plano de desenvolvimento sustentável do ES que inclua a geração de energia eólica. O estado possui potencial comprovado, sendo o “Atlas Eólico do Espírito Santo” um primeiro passo fundamental à elaboração deste plano. Este plano deve ter como objetivo específico o mapeamento das regiões com potencial eólico e passíveis de licenciamento ambiental. Este mapeamento deve avaliar o impacto específico em cada região, de diferentes formatos de projetos eólicos. Além dos limites ambientais (uso do solo, avifauna, ruído, etc.) deve-se, também, avaliar as condições socioeconômicas de cada região, de forma a maximizar seu potencial econômico de forma respeitosa. Um projeto de exploração eólica do ES não pode abdicar da ação conjunta dos diferentes níveis de governo, respeitando diretrizes bem definidas e fundamentada por critérios técnicos de avaliação. Há, portanto, viabilidade técnico-econômica de empreendimentos eólicos no ES, com potencial de geração de renda e emprego. Falta planejamento para usufruí-los.

 

Rafael Cattan é doutorando em Ciências Econômicas na Unicamp.
Os conteúdos e as opiniões aqui publicados são de inteira responsabilidade dos seus autores. O Sistema FINDES (IDEIES, SESI, SENAI, CINDES e IEL) não se responsabiliza por esses conteúdos e opiniões, nem por quaisquer ações que advenham dos mesmos.

 

[1] Dados do Estudo de Impacto Ambiental do parque, acessível no site do projeto.

2 Comments on "Por que não há energia eólica no Espírito Santo? Uma Análise dos Desafios e Perspectivas do Setor no estado"

  1. Excelente análise. Sabe dizer qual seria o custo de implantação dos parques eólicos nas áreas mapeadas que são mais propicias?

  2. Como consigo esse Atlas Eólico do Espírito Santo?

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