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Vale a pena a ambição de crescer sem emissões líquidas de CO₂


por Joaquim Levy

Artigo publicado no Valor Econômico em 20/08/2019.

Todos queremos ver a retomada do investimento no Brasil. A queda do investimento tem sido o principal fator para a fraqueza do nosso Produto Interno Bruto (PIB), e sua retomada é o caminho para termos mais empregos e tranquilidade social. Apesar das nuvens no comércio internacional, vários elementos para que essa retomada ocorra estão se materializando já que o Congresso está votando parte importante de uma agenda que se tornou praticamente consensual nos últimos anos e que visa melhorar as condições fiscais e o funcionamento dos mercados no país. Talvez seja hora, portanto, de se começar a pensar em que país se deseja para daqui dez ou 20 anos, e que investimentos podem nos fazer chegar lá.

Vale a pena ser ambicioso, porque o Brasil de hoje é bem diferente daquele de 30 anos atrás, com uma população mais educada e com menos miséria, apesar de todas as deficiências que conhecemos bem. Também vale a pena considerar fatores-chave em qualquer cenário futuro. Além da crescente influência da inteligência artificial e de outros aspectos da tecnologia da informação, um fator crucial será a evolução do aquecimento global decorrente da emissão de gás carbônico (CO2) e análogos pelas atividades humanas. Indícios dos seus efeitos têm sido mais visíveis nos anos recentes e, se essas emissões não caírem drasticamente nos próximos dez a 15 anos, a produtividade das economias, as correntes de comércio e o retorno dos investimentos serão cada vez mais afetados. A boa notícia é que, com o auxílio da tecnologia e do setor privado, o Brasil tem excelentes condições de crescer enquanto vence esses desafios.

O Brasil pode ter um PIB muito maior, ao mesmo tempo em que se torna um líder entre os países que querem alcançar emissões líquidas zero de CO2 equivalente, como é o caso do Reino Unido. Já mostramos que é possível reduzir muito as emissões de CO2 sem prejuízo econômico, ao combatermos e diminuirmos o desmatamento da Amazônia. Não há indicações de que esse sucesso tenha baixado a taxa de crescimento da economia. Ao contrário, ele foi contemporâneo a uma grande expansão das nossas exportações agrícolas e à consolidação internacional da nossa pecuária. Mais recentemente, apesar da quase estagnação do PIB, a energia eólica e solar tem crescido e criado emprego e renda nos lugares mais remotos do Brasil.

Uma análise criteriosa das principais fontes de emissões de carbono e as oportunidades de investimentos rentáveis no Brasil mostrará que há muito espaço para continuar a reduzir emissões criando emprego, aumentando o comércio e atraindo capital doméstico e estrangeiro.

Uma estratégia para o Brasil chegar a emissões líquidas de carbono zero começa com o aumento de produtividade na pecuária. O setor já tem reduzido a idade de abate dos bovinos, melhorando sua alimentação e o pasto, e evitado animais cuja criação esteja associada ao desmatamento. Essas são iniciativas essenciais para manter-se em mercados internacionais, baixar os custos de financiamento e maximizar a lucratividade face à concorrência de alternativas alimentares. Elas também reduzem a emissão de metano, cujo impacto climático é muitas vezes maior do que o do CO2, e ajudam a capturar carbono, especialmente no solo. Expandi-las criará bons empregos e reduzirá a participação do setor nas emissões de CO2 equivalente no Brasil, que, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases – SEEG, do Observatório do Clima, chega a 23% do total (pela metodologia GWP – Global Warming Potential).

A emissão de metano também tem feito com que o saneamento responda por 11% das emissões não originadas do desmatamento ou da agropecuária, por conta da decomposição de resíduos sólidos (lixo). Apesar da conhecida complexidade do setor do lixo, vale a pena aproveitar o interesse dos investidores privados no saneamento para desenvolver modelos de negócio integrados ou incluindo a cogeração e outras atividades. Há muito espaço para aumentar a segurança, transparência e rentabilidade do tratamento desses resíduos, criando empregos melhores e transformando as condições de vida nas nossas cidades e suas periferias.

Não escapou ao governo que o aumento de oferta de gás pode ser muito benéfico para a nossa indústria

As energias renováveis, que já correspondem a mais de 40% da nossa matriz energética, são outro vetor-chave para alcançarmos emissões líquidas zero de CO2. Elas incluem principalmente as fontes hidrelétricas, eólicas e solares, inclusive os biocombustíveis, como o etanol, o bagaço de cana, o biogás e os derivados de sementes de soja e palmeiras. Sem prejuízo do uso do gás natural, especialmente na indústria e possivelmente nos transportes, as energias renováveis devem responder pela maior parte da expansão da demanda de energia nos próximos anos, até pela sua complementaridade. Combinadas, elas podem garantir um suprimento de energia cada vez mais estável ao longo do dia e do ano, criando formas dinâmicas de armazenamento.

A disponibilidade de gás natural deve duplicar nos próximos anos e pode triplicar, dada a enorme quantidade de gás associado à produção de petróleo em muitas áreas do pré-sal e o custo marginal muito baixo de extraí-la. A grande questão é como trazer essa energia para a terra e levá-la país afora. Por isso foi tão oportuno o trabalho de privatização dos gasodutos, iniciado em 2015 e que será concluído com a maior flexibilidade no uso desses ativos, um trabalho ora em curso. Não escapou ao governo que o aumento de oferta de gás pode ser muito benéfico para a nossa indústria, ampliando suas fontes de energia e, para setores como o químico, de matéria-prima mais barata. O gás natural também pode diminuir as emissões de CO2, deslocando o óleo pesado e estimulando a cogeração de energia elétrica. O potencial do gás, dos biocombustíveis e da eletricidade deslocarem os derivados de petróleo, que correspondem a um terço das emissões atuais, pode trazer outras economias, ao permitir a expansão da frota de veículos sem maiores investimentos no refino.

No caso cada vez mais estudado de geração elétrica offshore, não só a energia do gás natural pode ser distribuída com mais comodidade, mas sua pegada de carbono pode ser reduzida pela captura no fundo do mar do CO2 decorrente da sua queima ou mesmo associado à sua extração. As oportunidades de investimento são excitantes, e a arte estará em criar um ambiente em que a transição de fontes de energia não crie subsídios prejudiciais ou perdedores sem alternativas de ajuste.

Esses exemplos demonstram a viabilidade de significativa redução das emissões de CO2 através de investimentos em tecnologias testadas e lucrativas, assim como em inovações mais ou menos disruptivas. Essa visão é o que tem atraído o interesse de grandes multinacionais de energia, de equipamento de transporte, fundos de investimento etc. No entanto, essas iniciativas sozinhas não serão suficientes para duplicarmos o PIB em 15 ou 20 anos e chegarmos a emissões líquidas zero de CO2. Para tanto, temos que reflorestar e reduzir ainda mais o desmatamento, cujos benefícios econômicos documentados são muito pequenos, e os custos, cada vez maiores. Esse desequilíbrio é ilustrado pelo abandono de grande quantidade de terras desmatadas na Amazônia após poucos anos como pasto, e pelo risco da nossa valiosíssima agricultura do cerrado vir a sofrer uma crise hídrica pela perturbação do ciclo das chuvas e do transporte de umidade da Amazônia para o centro-sul do continente. Por isso, o risco de desmatamento deve sempre ser considerado junto com o montante de emissões e a sustentabilidade financeira nas decisões de investimento, especialmente em logística e mobilidade em áreas como a Amazônia.

O reflorestamento é a forma mais barata de captura de carbono e há dezenas de milhões de hectares de terras de pouco ou nenhum uso econômico na Amazônia e na região Sudeste. Esse reflorestamento pode ser comercial ou não, e tecnologias como a semeadura direta podem baixar o custo de ajudar a natureza a recuperar a cobertura florestal, criando em muitos casos renda para pequenos produtores rurais e outras formas de retorno privado.

A expansão das florestas plantadas – uma atividade estratégica nos Estados Unidos – é ótima para criar empregos e dar previsibilidade à construção civil, assim como reforçar nossas exportações de celulose e madeiras processadas. Também aí, o interesse de investidores nacionais e estrangeiros é intenso e a concretização de investimentos depende essencialmente de um ambiente institucional favorável aos negócios, que evite a concorrência desleal e dê confiança para uma atividade que depende de tempo para ser rentável.

Agora, é necessário consolidar o excelente conhecimento de inúmeros pesquisadores, consultores e organizações, especialmente brasileiras, para se criar o caminho (“roadmap”) para alcançar o crescimento com neutralidade de carbono. As emissões totais de CO2 do Brasil são pequenas como proporção das emissões globais, e toda biomassa na floresta amazônica corresponde a umas tantas vezes o carbono presente na quantidade de petróleo extraída anualmente para sustentar a economia global. Então, ainda que na CoP-26 vários países devam dar maior ênfase em alcançarem emissões líquidas zero de CO2, nós caminharmos para esse objetivo não é uma estratégia para agradar nossos parceiros estrangeiros. É uma estratégia de segurança nacional, que cria oportunidades de investimento seguro, dá lastro à liberdade econômica, atende à demanda de um número cada vez maior de consumidores e nos faz mais competitivos e resilientes, mesmo que o mundo vá numa direção indesejável. É um excelente princípio organizador dos nossos investimentos, ajudando a se fazerem escolhas eficientes e evitando elefantes brancos. Com a vantagem de que a queda das taxas de juros no Brasil e no exterior torna esses investimentos cada vez mais atraentes. Portanto, não deve ser preciso uma intervenção pesada do Estado, mas sim seu papel de criar um ambiente de confiança, abertura e clareza para o setor privado.

 

Joaquim Levy é economista. Foi ministro da Fazenda, diretor do Banco Mundial e presidente do BNDES.

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