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Como os países estão se preparando para o retorno à nova realidade?


por Vanessa Avanci

O avanço da epidemia do coronavírus no mundo já está causando a maior crise econômica da história recente e o FMI alterou as previsões de crescimento para 2020 de 3,3% para uma contração de 3,0%, para o Brasil foi estimado -5,3%[1]. Por trás destas previsões tão pessimistas está o fato de que à medida que a epidemia avançou os países tiveram que reagir para evitar o colapso do sistema de saúde e salvar vidas com medidas muito restritivas de distanciamento e isolamento social. Além disso, como ainda não há uma saída segura para a epidemia, pois os cientistas ainda buscam tratamentos eficazes para a doença e uma vacina que estabeleça a imunidade contra o vírus, as atividades econômicas devem retornar de forma gradual. Um estudo recente da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard alerta para a necessidade de manter o distanciamento social mesmo após o recrudescimento da epidemia nos países[2]. Isso porque, sem uma vacina para o coronavírus, este poderá acarretar novos surtos sazonais e de maior gravidade do que as outras gripes conhecidas por levar ao colapso do sistema de saúde. Com isso, não é possível descartar ainda a necessidade de novos períodos intermitentes de medidas de isolamento social para controle da epidemia, e algumas situações de idas e vindas com as atividades do dia a dia[3].

Os países que tiveram um começo do avanço da epidemia do Covid-19 antes do Brasil e que agora se encontram em um estágio controlado de propagação do coronavírus estão planejando e começando a executar um processo de reabertura gradual da economia. Para a situação atual sem precedentes de epidemia e de bloqueio econômico mundial não há consenso científico para guiar os passos de como realizar a reabertura das economias com o menor risco. Essa situação tem sido acompanhada com a cautela que os riscos à saúde determinam, pois não existe a possibilidade de reabrir todas as atividades ao mesmo tempo e de uma só vez da mesma forma como era antes.

O mais prudente neste momento é aliar a avaliação de risco epidemiológico aos benefícios econômicos e sociais de retornar com determinadas atividades. Para avançar na reabertura econômica, toma-se como dado que a rede de saúde pública e privada (ou estoque da estrutura hospitalar de alta complexidade – equipamentos e capital humano/médicos e enfermeiros) está assegurada. Em outros termos, não há o risco de colapso. A seguir serão destacadas as medidas mais recentes sendo divulgadas e implementadas nos processos de relaxamento da quarentena no mundo, mas três pontos parecem comuns a quase todas as experiências que serão discutidas: a ampla realização de testes, o uso de máscaras em locais públicos e de aplicativos e novas tecnologias para rastreamento dos casos e contágio.

A OMS divulgou um documento no dia 14 de abril em que recomenda aos países que, ao começarem a diminuir as restrições de mobilidade e o distanciamento social, façam um intervalo de duas semanas – período que correspondem ao tempo de incubação do vírus – entre suas medidas, para avaliar o impacto e agir rapidamente para reduzir os riscos de novos surtos[4].

Na mesma semana, logo após a divulgação de orientações para ajuste das medidas de política de saúde pública e sociais no contexto do COVID-19 o Governo Federal dos Estados Unidos anunciou um plano de retomada da economia norte-americana[5]. O plano não é mandatório e permite que os governantes dos estados e das regiões do país decidam sobre quais orientações adotar e façam adaptações ao utilizá-las para sua situação específica.

A abordagem propõe 3 fases de retomada das atividades que devem ser baseadas em dados atualizados, para mitigar o risco de ressurgência da doença e proteger os mais vulneráveis. Em todas as fases os indivíduos são instruídos a continuar com as boas práticas de higiene, como lavar as mãos, e recomenda-se fortemente o uso das máscaras protetoras em locais públicos. Para os empregadores as recomendações são a adoção de práticas de distanciamento social, de verificações de temperatura, de testes e de medidas de saneamento padrão em seus locais de trabalho.

Ainda cabe aos estados e regiões garantir a testagem, configurando rapidamente os locais de triagem e para testes seguros e eficientes e estes também são responsáveis por garantir a capacidade do sistema de saúde de realizar os atendimentos de forma rápida, protegendo os trabalhadores do setor e garantindo o material de proteção a eles. Além disso, é essencialmente uma função dos estados informar a população e monitorar as condições e tomar decisões imediatas para impedir novos surtos.

Resumidamente, o plano tem como ponto de partida um conjunto de critérios que devem ser todos alcançados antes que seja recomendado a qualquer estado ou região iniciar a primeira fase de retomada das atividades. O primeiro critério define que haja uma tendência decrescente por 14 dias de casos reportados com sintomas semelhantes à influenza e de síndromes como a covid. Em relação aos casos de COVID-19, os critérios mínimos estabelecidos são uma tendência decrescente por 14 dias dos casos reportados ou da taxa de testes positivos em relação ao total (considerando um volume estável ou crescente de testes[6]). O último critério estabelece que deve-se considerar como pré-requisito para partir para a fase de reabertura que a capacidade dos hospitais permita atender todos os pacientes (não apenas aqueles em condições críticas) e que possam proporcionar um programa robusto de testes para todos os trabalhadores de áreas de saúde que estão expostos ao risco da doença. Esses critérios são recomendados para iniciar a fase 1 da reabertura e também devem ser novamente observados nas passagens de fase seguintes, portanto, haverá um mínimo de 14 dias entre uma fase e outra de reabertura. Quando observada uma piora nos indicadores é recomendado o retorno à fase anterior.

As orientações estabelecidas para as fases recomendam que os indivíduos vulneráveis fiquem em casa e que todos os indivíduos mantenham uma maior distância física em público. Na primeira fase de abertura é recomendado evitar grupos maiores que 10 pessoas, e na segunda fase os eventos de mais de 50 pessoas devem ser evitados. Quanto às viagens, as não-essenciais devem ser evitadas na primeira fase e na segunda fase já podem ser retomadas para os indivíduos e nas situações de trabalho. A preferência pelo trabalho remoto é recomendada nas duas fases de abertura, sempre que possível e compatível com as operações comerciais. Quanto ao funcionamento dos locais de trabalho, é recomendando que se feche as áreas comuns para evitar aglomerações e a aplicação de protocolos estritos de distanciamento social. Por fim, há orientações direcionadas especificamente aos empregadores de escolas, instituições hospitalares e de habitação de idosos, restaurantes, cinemas, locais esportivos, locais de culto, academias e bares (as recomendações completas das 3 fases se encontram no Quadro 1).

A Alemanha está sendo considerada um exemplo dentre os países na forma como vem administrando a crise do coronavírus, pois apesar do número de casos elevado – o 5° colocado no mundo no dia 17 de abril com 139.134 – teve boa adesão às medidas de distanciamento pela população e uma letalidade relativamente mais baixa do que a de seus vizinhos. No dia 31 de março, o instituto de pesquisa econômica da Alemanha Ifo Institute divulgou um documento que consiste em um plano para o combate à epidemia de forma sustentável com a retomada gradual da economia.Comparado ao plano divulgado pelos Estados Unidos, ambos possuem a característica de não determinarem regras rígidas e universais, mas consideram que há necessidade de adaptação das estratégias de combate à epidemia e de retorno das atividades à capacidade de atendimento de saúde e à situação econômica local.

Dentre as principais recomendações do Ifo Institute está a melhora da proteção contra novas infecções com o uso mais amplo possível de máscaras oronasais para toda a população e com expansão da capacidade de instalações de saúde, asilos e lares para idosos. A proteção da saúde no retorno das atividades deve ser maior com a identificação das pessoas infectadas e o isolamento rápido e completo, quando possível. Para isso é de altíssima importância a expansão da atual capacidade de testes de alto rendimento e a sua execução de forma mais rápida. O documento de planejamento também trata da necessidade de atenção para uma economia voltada para a assistência médica. A crise trouxe à tona a necessidade de ampliar as instalações de assistência médica, além da produção de máscaras, vacinas, desinfetantes, medicamentos e muito mais. Essas atividades devem começar rapidamente, porque já falta equipamento de proteção e uma nova vacina ainda não poderia ser produzida com a rapidez suficiente e em quantidades suficientes.

Um ponto que esse documento destaca é a atenção dirigida ao uso e ao apoio para o desenvolvimento de tecnologias digitais que usem os smartphones para a garantia de medidas de quarentena e para prevenir novos surtos a exemplo do que foi feito por países na Ásia. Esses aplicativos instalados nos smartphones permitem o envio de notificações via Bluetooth – utilizando tokens anônimos – no caso de teste positivo para o COVID-19, avisando às pessoas com quem se pode ter tido contato. O documento ressalta que o uso de tais aplicativos, e também a possibilidade de notificação direta dos resultados dos testes por meio deles, em qualquer caso, deve ser voluntário, mas pode facilitar a imposição de medidas de isolamento. A ampla introdução de aplicativos também foi recomendada como medida de atenuar o curso da doença das pessoas infectadas, tanto quanto possível. Por exemplo, por meio do monitoramento médico a todos os pacientes ambulatoriais do COVID-19 que podem se manter em isolamento em suas casas. O aplicativo de monitoramento médico exige que um questionário seja preenchido diariamente e está conectado a sensores que medem a frequência cardíaca e respiratória, febre e saturação de oxigênio. Com a devida atenção a que esses aplicativos sejam projetados de tal maneira que o uso indevido seja impossibilitado e seu uso seja compatível com o sistema jurídico do país.

Além da Alemanha, outros países estão utilizando aplicativos para enfrentar a crise e tem-se observado o impulso a novas soluções tecnológicas por meio da imperativa necessidade de processos de digitalização das empresas com tecnologias que já estavam disponíveis e tiveram sua implementação acelerada diante da necessidade de distanciamento e trabalho remoto. Outro ponto importante são as amplas aplicações de tecnologias digitais relacionadas aos cuidados de saúde e startups de healthtech que podem ajudar no combate ao COVID-19, tais como: orientação remota de cuidados de saúde; acompanhamento psicológico; acompanhamento do tratamento; estratificação de risco; conscientização e gestão hospitalar. As tecnologias de rastreamento de contatos pelos smartphones estão sendo uma ferramenta importante para que se possa ter noção da propagação do COVID-19 que é considerado um vírus invisível, ou seja, pela sua ampla capacidade de transmissão por meio de pessoas assintomáticas ou de sintomas leves. Mas essa tendência entre os países também levanta uma preocupação quanto à invasão de privacidade devido ao uso dessas informações pessoais pelo Governo.

Na China, o retorno gradual das atividades teve início em Wuhan, a cidade de 11 milhões que foi o epicentro original da epidemia do coronavirus no país e passou por um bloqueio severo das atividades e da mobilidade das pessoas. O bloqueio total da cidade durou 10 semanas (início em 23 de janeiro e relaxamento a partir de 08 de abril) e agora mesmo com a permissão para retomada das atividades os pequenos negócios ainda estão em uma situação de incerteza. Os pequenos negócios enfrentam dificuldades financeiras pelo tempo de paralisação completa, além disso, observam que ainda não tem clientes como antes e os motivos estão associados ao medo da doença, redução de suas finanças pessoais devido à crise e outros simplesmente ainda não retornaram aos antigos hábitos[7]. Além disso, o sistema para a segurança da saúde ainda está com medidas fortes na região para evitar casos importados de outras províncias.

Outras cidades da China fora de Hubei, começaram a reabertura antes, em Xangai e Pequim, por exemplo, os transportes, shopping centers e indústrias funcionam desde março. Mas a mobilidade, apesar de permitida, ainda é vigiada: as pessoas precisam apresentar às autoridades um aplicativo de telefone sancionado pelo governo que indica se estão permitidas a transitar em locais públicos ou se há riscos de contágio e devem ficar em isolamento. O software utiliza informações sobre os endereços residenciais, viagens recentes e históricos médicos para indicar o status médico e as medidas de distanciamento necessárias para cada cidadão. Na Coreia do Sul, a vigilância das pessoas pelo Governo com aplicativos de localização também foi adotada para reforçar as medidas de distanciamento social vigiando as aglomerações.

Uma nova normalidade sendo desenhada no mundo, mas o que podemos aprender?

Como lições importantes destas observações e recomendações para o retorno à normalidade das atividades, temos que o como fazer é tão importante quanto o quando começar. O afrouxamento das restrições deve ser gradual e seguir os passos é necessário para dar tempo para uma adaptação à nova normalidade e para evitar novos surtos. Para a economia do país ou da região os passos graduais também são muito importantes para reduzir o grau de incerteza. Afinal, o choque de retomar as atividades de uma vez e depois fechar completamente seria muito mais danoso do que retomar parcialmente e com segurança no sistema de saúde.

A experiência dos outros países também demonstra que a atitude individual é muito importante. O distanciamento social não acaba com a reabertura da economia. E isso irá afetar a alguns setores mais do que a outros. Por isso, após as medidas econômicas emergenciais (políticas fiscais e monetárias) do início da crise, nas próximas etapas ainda serão necessárias ações contínuas e focadas, particularmente nos pequenos negócios e nas famílias, para a transição para uma nova realidade econômica.

Uma coisa clara que temos podemos aprender com a experiência dos outros países é que a atitude individual é muito importante. O distanciamento social não acaba com a reabertura da economia. E isso irá afetar a alguns setores mais do que a outros. As medidas econômicas emergenciais (políticas fiscais e monetárias) foram adotadas para assegurar a capacidade do sistema de saúde e a sobrevivência das pessoas, mas serão necessárias ações contínuas e focadas, particularmente nos pequenos negócios e nas famílias, para a transição a uma nova realidade econômica.

Toda a lógica da reabertura gradual demanda informações sobre os novos casos, taxa de crescimento e reprodução do vírus para permitir, no melhor cenário, ações focalizadas de controle de novos surtos. Mas, isso não é suficiente. Também é importante muita informação para que se gerem novos comportamentos na sociedade e para que os indivíduos colaborem com o distanciamento social. No Brasil temos uma situação preocupante que é uma baixa taxa de testes realizados na população e com isso faltam informações essenciais para identificar os focos e agir rápido para conter os surtos. A evidência para os países no mundo é de que a testagem em massa da população tem permitido acompanhar a evolução da doença e orientar a tomada de decisão dos gestores públicos[8].

Essa medida está sendo recomendada pela vasta maioria dos países no enfrentamento às mortes causadas pelo coronavírus porque permite identificar casos assintomáticos, ajudando a intensificar o isolamento dos infectados. No site do Ministério da Saúde do Brasil afirma-se que entre o dia 16 de fevereiro até 7 de abril, foram realizados 153.961 testes para investigação de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), em que se busca identificar a COVID-19, as influenzas, vírus sincicial e outros vírus respiratórios. Esse dado significa um total de 0,73 testes por mil pessoas no Brasil, valor muito inferior ao dos países que estão enfrentando a epidemia com sucesso, como Coreia do Sul, Finlândia e até mesmo abaixo dos Estados Unidos para o mesmo período. No gráfico não há como comparar a curva para o Brasil porque não há dados.

Gráfico 1 – Total de testes para detectar COVID-19 por mil pessoas por país

Além disso, no Brasil temos uma situação muito desigual entre os estados na divulgação das informações para o acompanhamento da situação da epidemia e da capacidade de atendimento do sistema de saúde. O índice de transparência[9] utiliza como critérios para classificar as Ufs a divulgação das informações locais sobre os pacientes com COVID-19 como faixa etária, gênero e doenças preexistentes e outras sobre a estrutura de atendimento como a ocupação de leitos e testes disponíveis/aplicados. No último levantamento (16 de abril) o Espírito Santo subiu para a segunda posição no ranking por passar a divulgar as informações de casos da COVID-19 em um painel detalhado, inclusive com o número de casos por bairros.

Gráfico 2 – Ranking e evolução do índice de transparência da COVID-19 para os estados

O Brasil precisa avançar em medidas de combate à epidemia para evitar o colapso de seu sistema de saúde, com especial atenção às populações mais vulneráveis, e para retornar o mais brevemente à normalidade de suas atividades. Para isso, pode se espelhar nas medidas recomendadas e adotadas nas principais economias do mundo que já passaram por suas fases mais críticas da crise e almejam um retorno à normalidade. A maior lição, dessa vez, consiste em entender que essa grave crise requer um planejamento antecipado, célere e coordenado seja em nível estadual seja entre os entes da federação.

[1] https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020
[2] https://www.sciencemag.org/news/2020/04/ending-coronavirus-lockdowns-will-be-dangerous-process-trial-and-error#
[3] Nesse sentido, a compatibilidade entre a evolução da epidemia em um determinado território e a capacidade da estrutura da rede de saúde (pública e privada) precisa ser monitorada diariamente pelas autoridades púbicas em seus 3 níveis (municipal, estadual e federal) para o devido balanço entre as medidas de distanciamento social e retorno necessário das atividades econômicas.
[4] https://www.who.int/publications-detail/strategic-preparedness-and-response-plan-for-the-new-coronavirus  Acessado em 15 de abril de 2020.
[5] Guidelines for Opening Up America Again https://www.whitehouse.gov/openingamerica/
[6] Nos Estados Unidos o órgão governamental para o controle e prevenção de doenças, o CDC, orienta que nem todo mundo precisa ser testado para o COVID-19, os testes são aconselhados em casos de sintomas da doença, mas as decisões sobre o teste ficam a critério dos departamentos de saúde estaduais e locais.
[7] https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-04-15/wuhan-s-life-after-lockdown-isn-t-business-as-usual
https://www.ft.com/content/6ac25f4c-a290-4e17-81f8-204d575979fa
[8] https://ourworldindata.org/what-can-data-on-testing-tell-us-about-the-pandemic
[9] https://transparenciacovid19.ok.org.br/

Vanessa Avanci é Economista, doutora pela UFF e analista do Ideies

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