Findes
Cindes
Sesi
Senai
IEL

Escassez de mão de obra qualificada: a solução passa pela educação – Parte 1


por Marília Silva e Suiani Meira

Sob a suposição de mercados eficientes, toda escassez é temporária. O preço, nesse contexto, é o mecanismo pelo qual demandantes e ofertantes entram, voluntariamente, em acordo, assim, sob esta hipótese, sempre que houver escassez de um bem, o preço desse bem se eleva e em algum tempo oferta e demanda se equilibram, o contrário ocorre em um cenário de abundância. Se há excesso de oferta, o preço cai e a demanda aumenta, igualando, mais uma vez, oferta e demanda. Ou seja, num mundo assim, não precisaríamos nos preocupar com a escassez de mão de obra qualificada, pois ela seria temporária, bastaria aguardarmos um pouco para que o equilíbrio fosse naturalmente atingindo. Mas não é nesse mundo que vivemos!

Em artigo[1] publicado pelo IPEA em 2015, Paulo A. Meyer M. Nascimento, ao tentar responder se havia, à época, indícios de escassez de força de trabalho qualificada no país, explora as potenciais causas e origens da escassez da força de trabalho. O autor passa por pontos frequentemente abordados por especialistas da área, mas chama atenção, em especial, para o trabalho de Richardson (2007), que define a escassez no mercado de trabalho como a situação em que há poucas pessoas com habilidades necessárias para exercer as funções exigidas em determinado mercado.

Para Sue Richardson (2007) há dois níveis de escassez de mão de obra. O nível 1, mais agudo, exige políticas educacionais expansionistas e planejamento de logo prazo por parte das empresas. Esse nível é caracterizado por escassez de mão de obra qualificada para as vagas existentes e pela necessidade de um longo período de treinamento para que as pessoas disponíveis no mercado possam adquirir as competências desejadas pelos empregadores.

O nível 2, por sua vez, demanda políticas imediatas e pontuais de qualificação profissional. Este nível também é caracterizado pela reduzida existência de pessoas com competências técnicas essenciais e que não estejam empregadas mas, como solução, exige treinamentos mais curtos para que essas competências sejam desenvolvidas[2].

Embora Nascimento (2015) busque, ao fim e ao cabo, investigar a existência ou não de indícios de escassez de mão de obra no Brasil, o que salta aos olhos ao longo da leitura de seu trabalho é que, segundo o autor, sob a hipótese de escassez de mão de obra qualificada:

“… os caminhos de ajuste da escassez passam não apenas pelos incentivos naturalmente sinalizados pelo mecanismo de preços, como também por estímulos e condições que podem emanar do poder público. Os empregadores podem responder alterando os salários e outras condições do emprego para torná-lo mais atrativo; os trabalhadores podem responder com investimentos em seu capital humano e também migrando para as localidades em que suas competências são mais demandadas; e o governo pode responder expandindo as oportunidades de qualificação, ampliando programas de aprendizagem industrial e bolsas de estudos e financiamento estudantil, bem como concedendo mais vistos de trabalho para estrangeiros qualificados nas áreas em que há escassez.” (NASCIMENTO, 2015)

Em outras palavras, ainda que a solução da escassez da mão de obra qualificada passe por todos, indubitavelmente, ela passa pela educação, básica, científica e de aprendizagem, que aqui trataremos como educação profissional.

É consenso que a escassez de mão de obra qualificada é um limitador do crescimento econômico. Assim como o fato de que essa escassez se faz mais presente, ao menos no Brasil, em áreas mais intensiva em tecnologia. Segundo levantamento global feito pela Korn Ferry, com 115 mil empresas pelo mundo, sendo cem no Brasil, o problema de falta de mão de obra especializada, principalmente nas tecnologias digitais, ocorre em todo o mundo[3].

De acordo com o sociólogo Glauco Arbix, professor da Universidade de São Paulo, em entrevista à revista Negócios em outubro de 2020, apesar do avanço durante a pandemia, o índice de digitalização e automação do país é muito baixo. Para ele, se o país estivesse num processo mais acelerado, possivelmente haveria um apagão de mão de obra qualificada[4].

Em 2019, antes do início da pandemia da Covid-19, a Confederação Nacional da Indústria – CNI realizou uma sondagem especial (Nº 76) para captar a falta de trabalho qualificado nas indústrias. Para o Espírito Santo essa mesma pesquisa foi realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional e Industrial do Espírito Santo – Ideies, por meio do convênio que a CNI tem com a Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo. Entre os principais resultados, destacam-se:

  • Apesar do desemprego elevado, a falta de trabalhador qualificado continua afetando a indústria. Para o Brasil, em 2019 foram 50%, com 5 em cada 10 indústrias enfrentando esta dificuldade. No Espírito Santo, mais da metade das indústrias (53,5%) afirmaram ter esta dificuldade em 2019.
  • Para o Brasil, em 2019, as indústrias que mais afirmaram sofrer com a falta de mão de obra qualificada foram as de biocombustíveis (70%), móveis (64%), vestuário (62%), produtos de borracha (62%), têxteis (60%) e máquinas e equipamentos (60%).
  • A falta de trabalhador qualificado impacta diretamente na produtividade das empresas. Para o Brasil as empresas responderam ter dificuldade de aumentar a produtividade (72%), bem como melhorar, ou mesmo manter, a qualidade dos produtos (60%), assim como em expandir a produção (27%). Para o Espírito Santo estes valores foram de respectivos 70%, 54% e 35%.
  • Para lidar com o problema, a maioria das indústrias brasileiras promoveram a capacitação de seus trabalhadores na própria empresa (85%) e fora da empresa (42%). Para o Espírito Santo estas também foram as principais medidas adotadas, com proporções de respectivos 80% e 39%.
  • Ainda assim, as empresas brasileiras informaram que o principal entrave para realizar investimento em capacitações é a baixa qualidade da educação básica (53%) e a falta de interesse dos trabalhadores em se qualificar (49%). Também para as empresas capixabas estes foram os principais entraves reportados, respectivamente, por 40% e 33% das empresas.
  • A sondagem conclui que para a indústria voltar a crescer de maneira significativa é imperativo melhorar a qualidade da educação básica no Brasil e ampliar a oferta de educação profissional alinhada às demandas do setor produtivo, visando o desempenho da indústria no futuro.

Note que, de acordo com a pesquisa, a maioria das empresas no país e no Espírito Santo investiram em capacitação dentro da própria empresa e que em torno de 40% das empresas investiram em capacitação fora da empresa. Em que pesem esses investimentos, boa parte das empresas alega que o principal entrave à capacitação dos trabalhadores é a baixa qualidade da educação básica, o que, segundo a pesquisa, torna imperativo a melhoria da qualidade da educação básica e a ampliação da oferta de educação profissional.

Os resultados da pesquisa parecem convergir para a definição de escassez de mão de obra explicitada por Richardson (2007), onde a carência de mão de obra qualificada se torna evidente e a solução para esse problema passa ou por um longo período de treinamento, escassez de nível 1, ou por um curto período de treinamento, escassez de nível 2, mais uma vez, a educação parece ser a saída.

Sobre a qualidade da educação no Brasil, a critério de comparação com resultados internacionais, uma das fontes de informação é o Pisa. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) aplica uma avaliação trienal a estudantes de 15 anos de idade de todo o mundo. O Programa avalia a proficiência em Leitura, Matemática e Ciências. No Pisa 2018, os estudantes brasileiros obtiveram uma pontuação abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas três competências. De todos os estudantes brasileiros avaliados, 43% apresentaram pontuação abaixo do nível mínimo de proficiência (Nível 2) nos três domínios avaliados. Sendo que apenas 2% atingiram níveis maiores de proficiência em pelo menos um domínio. Este percentual foi de 16% para a média da OCDE[5].

Sobre a ampliação da oferta de educação profissional como solução para a escassez de mão de obra qualificada podemos olhar para o Panorama da Educação[6], elaborado pelo Inep, a partir dos dados do Education at a Glance 2020 da OCDE. A publicação oferece uma visão geral dos sistemas educacionais possibilitando um contraponto internacional. A edição de 2020 teve como tema principal a educação profissional e tecnológica. De acordo com o estudo, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) se mostra como uma das formas de promover o acesso dos mais jovens ao mercado de trabalho e ainda aumentar as taxas de conclusão no ensino médio.

Dos países participantes do Education at a Glance, em 2018, aproximadamente 17% dos jovens de 15 a 24 anos foram atendidos em algum programa de educação profissional e tecnológica, mas com grande variação das taxas de atendimento entre os países. O Brasil foi o país com o menor percentual de atendimento, com menos de 5% de participação em programas de educação profissional e tecnológica. Ainda de acordo com o estudo, corroboram para o resultado os dados do Censo Escolar que apontaram uma redução de 49,6% das matrículas de jovens e adultos na educação profissional entre os anos de 2013 a 2019.

Gráfico – Participação de alunos de 15 a 24 anos na educação profissional e tecnológica por nível educacional, 2018Gráfico – Participação de alunos de 15 a 24 anos na educação profissional e tecnológica por nível educacional, 2018

Fonte: OCDE.

O estudo mostra ainda que, no Brasil, considerando conjuntamente o total de matrículas nos anos finais do ensino fundamental até os cursos sequenciais de formação específica, apenas 8% delas correspondem à EPT, enquanto para os países este percentual foi de 30%. Já considerando apenas o total de matrículas no ensino médio, o percentual de matrículas EPT foi de 11% no Brasil, sendo de 41% na média dos países da OCDE.

De acordo com o estudo, cerca de 52,66% das matrículas da EPT no Brasil estão concentradas no ensino médio e 46,99% em cursos técnicos subsequentes. Para os países pesquisados, a média de matrículas da ETP foi de 4,08% nos anos finais do ensino fundamental, de 70,42% no ensino médio, 12,52% nos cursos técnicos subsequentes e de 12,98% nos cursos sequenciais de formação específica.

Vale lembrar que existe uma diversidade na organização e estrutura da EPT entre os países que varia desde o foco na oferta de programas em etapas de ensino distintas até o conteúdo destes. Diferenças na estrutura do sistema de ensino de cada país podem favorecer para que haja maior ou menor percentual de matrículas em EPT em determinadas modalidades. Na Dinamarca e na Noruega, por exemplo, existem programas de aprendizagem que envolvem treinamento simultâneo baseado na escola e no trabalho, já na Áustria, Alemanha e Suíça existem sistemas duplos de aprendizagem em programas que envolvem períodos alternados de frequência em instituições educacionais e participação em treinamento no trabalho.

Além da qualidade da educação básica e da oferta de Educação Profissional, o aumento da oferta de mão de obra qualificada passa pelo maior acesso ao ensino superior. Também neste quesito, o Brasil aparece como um dos países com menor proporção da população com ao menos o ensino superior, pouco mais de 21% da população de 25 a 34 anos. Destes, 20% atingiram a graduação como nível máximo e 1% completaram o mestrado.

Gráfico – Proporção da população de 25 a 34 anos com Educação Superior, 2019 (países que estão com o ¹o ano de referência difere de 2019)

Fonte: OCDE.

Em que pese nas comparações internacionais o Brasil se destacar pelos reduzidos índices de qualidade da educação básica e pelo baixo acesso à educação profissional e superior. É preciso ter em mente que, embora ainda haja um longo caminho para se percorrer rumo a qualificação da mão de obra, muitos e importantes passos têm sido dados nas últimas décadas, como a implementação de políticas de acesso ao ensino superior e a ampliação da oferta de educação profissional por meio dos Institutos Federais e programas específicos voltados a ampliação da educação profissional.

No próximo artigo será apresentado uma análise sintética das políticas implementadas, bem como suas metas e seus alcances atuais para o provimento de uma educação de qualidade em todos os níveis, básico, profissional e superior, que deve ser vista como pré-requisito para solucionar o problema da escassez de mão de obra qualificada.

 

Referências:

NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M. Escassez de força de trabalho: uma revisão da literatura internacional e interpretação dos resultados empíricos referentes ao Brasil. IPEA, 2015. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2086.pdf

RICHARDSON, S. What is a skill shortage? Adelaide: NCVER, 2007. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED495918.pdf

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) – Resultados 2018. Disponível em: http://inep.gov.br/documents/186968/484421/Programa+Internacional+de+Avalia%C3%A7%C3%A3o+de+Estudantes+%28Pisa%29+-+Resultados+do+PISA+2018/db0743fa-2548-490d-96db-873bdaf5230b?version=1.1

____________. Panorama da Educação 2020. Disponível em: http://inep.gov.br/education-at-a-glance.

HARTUNG, Paulo. Educação profissional e tecnológica, demanda e oportunidades. Junho/2021. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,educacao-profissional-e-tecnologica-demanda-e-oportunidades,70003732841.

 

[1] NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M. Escassez de força de trabalho: uma revisão da literatura internacional e interpretação dos resultados empíricos referentes ao Brasil. IPEA, 2015. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2086.pdf
[2] A estes dois níveis de escassez, a autora ainda adiciona duas situações, de descolamento entre oferta e demanda e de deficiências de qualidade da força de trabalho disponível. Ver mais detalhes em: RICHARDSON, S. What is a skill shortage? Adelaide: NCVER, 2007. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED495918.pdf
[3] Acesso em https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/11/25/apagao-de-mao-de-obra-no-pais-pode-limitar-crescimento.htm?cmpid
[4] Acesso em https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2020/10/epoca-negocios-tecnologia-sofre-com-falta-de-qualificacao.html
[5] Acesso em http://inep.gov.br/documents/186968/484421/Programa+Internacional+de+Avalia%C3%A7%C3%A3o+de+Estudantes+%28Pisa%29+-+Resultados+do+PISA+2018/db0743fa-2548-490d-96db-873bdaf5230b?version=1.1
[6] Acesso em http://inep.gov.br/education-at-a-glance. Segundo nota do estudo, os dados reportados pelo Brasil têm como referência os Censos da Educação Básica e Educação Superior, os quais abrangem os seguintes programas: a) na educação básica1 – ensino médio integrado, normal magistério, curso técnico concomitante, cursos FIC concomitante ou integrado à modalidade EJA e curso técnico subsequente; e b) na educação superior – cursos sequenciais de formação específica, cursos de licenciatura, cursos superiores de tecnologia e mestrado profissionalizante.

Marília Silva é Economista, doutora pela FGV-SP e Gerente do Observatório da Indústria do Ideies

Suiani Meira é Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e Analista do Ideies.

Os conteúdos e as opiniões aqui publicados são de inteira responsabilidade dos seus autores. O Sistema FINDES (IDEIES, SESI, SENAI, CINDES e IEL) não se responsabiliza por esses conteúdos e opiniões, nem por quaisquer ações que advenham dos mesmos.

1 Comment on "Escassez de mão de obra qualificada: a solução passa pela educação – Parte 1"

  1. A geração de aprendizagem voltada à produtividade deve ocorrer endogenamente nas empresas, principalmente, através de atividades de pesquisa e desenvolvimento e geração de aprendizados dinâmicos. O modelo econômico da indústria brasileira tem sido passivo em grande parte do seu desenvolvimento, desestimulando (externamente), inclusive, os processos de capacitações e geração de capacidades de nível avançado. Investimentos em educação (lato sensu) e ciência é parte da solução; entretanto, necessária é sua (co) atuação junto aos investimentos privados em tecnologia, preferencialmente de maneira anticíclica, mitigando os efeitos recessivos no emprego formal e processos de desindustrialização setoriais. Uma outra questão que se coloca é o da baixa remuneração e da sobrequalificação em determinadas cadeias organizacionais da indústria, gerando efeitos deletérios como fuga de cérebros (brain drain), doméstica e internacionalmente.

    Parabenizo as autoras pelo texto, ficarei atento às próximas publicações.

1 Trackbacks & Pingbacks

  1. Página não encontrada - Blog

Deixe um comentário

Seu endereço de email não será publicado.


*