Findes
Cindes
Sesi
Senai
IEL

Universalização do saneamento básico: uma meta possível?


por Mayara Bertolani

O saneamento básico é um dos serviços de infraestrutura mais atrasado do Brasil[1]. Este é um fator essencial para um país ser chamado de desenvolvido, visto que os serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos levam à melhoria da qualidade de vida da população.

A ineficiência da gestão dos resíduos e a falta do saneamento causa um grande impacto ambiental e favorece a transmissão de doenças infecciosas, refletindo no aproveitamento escolar das crianças e na produtividade do trabalhador.

Atualmente o acesso à tecnologia móvel avança mais rápido do que a universalização do saneamento básico.

Em 2017, enquanto 95,8% da população brasileira era coberta com rede de celular[2], apenas 52,4% da população tinha acesso à coleta de esgoto e 83,5% eram atendidos com abastecimento de água tratada[3].

Esses números evidenciam que o Brasil está longe de atingir a meta de universalização dos serviços até 2033, data prevista em 2007 no Plano Nacional de Saneamento Básico. Este acesso universal não será atingido seguindo os moldes atuais.

Este déficit elevado fica mais evidente ao verificar a disparidade entre as regiões: de acordo com os dados do SNIS, a região Norte trata apenas 22,6% do esgoto coletado; o Nordeste trata 34,7%, o Sul 44,9%, o Sudeste 50,4% e o Centro-Oeste 52,0%.

Indicadores de saneamento básico por região

Fonte: SNIS. Elaboração própria.
Nota: Rede de Água: Índice de atendimento total de água (IN055); Coleta de Esgoto: Índice de atendimento total de esgoto referido aos municípios atendidos com água (IN056); Tratamento de esgoto: Índice de esgoto tratado referido à água consumida (IN046); Perdas de água: Índice de perdas na distribuição (IN049).

Apesar dos dados citados, ainda há divergências de opiniões sobre a necessidade da participação do setor privado no saneamento. Atualmente, os municípios são titulares dos serviços e têm três opções: i) operar os serviços à nível municipal; ii) conceder essa atividade a uma companhia estadual; ou iii) contratar uma concessionária privada.

No Brasil, o segmento privado tem apenas 6% de participação no saneamento, enquanto as companhias estaduais detêm 70% e as companhias municipais, 24%[4]. Com o Projeto de Lei 3261/19, que atualiza o marco regulatório do saneamento básico e atualmente está em discussão no Senado, a expectativa é que a participação privada possa aumentar, o que traria um novo cenário para um setor que precisa atender, até 2033, a uma demanda de mais de 100 milhões de pessoas que não possuem tratamento de esgoto e alcançar a universalização até 2033.

Em 12 estados brasileiros há algum município com concessão plena de água e esgoto. Segundo levantamento da consultoria Radar PPP, há, pelo menos, 76 parcerias público-privadas (PPP’s) no âmbito do saneamento em vigência[5]. De acordo com estudo realizado pela CNI, os indicadores de coleta de esgoto estão aproximadamente 20 pontos percentuais superiores no caso das concessões e os de abastecimento de água 8,2 pontos percentuais acima da média nacional[6].

Na prática, o saneamento necessita de investimentos privados, seja por meio de concessões ou PPP’s, viabilizando a melhoria da gestão, aumento da produtividade e inclusão de novas tecnologias. Há diversos exemplos no Brasil considerados boas práticas que vêm demonstrando como isto pode dar certo. Algumas localizadas já atingiram a universalização desses serviços, ou estão próximas.

Cachoeiro de Itapemirim (ES) foi um dos primeiros municípios do Brasil a conceder a administração dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto para uma empresa privada, em 1998. Por meio da lei municipal 4.797 de 1999 a cidade instituiu a política municipal de saneamento básico com mecanismos para estimular a universalização do acesso ao serviço de saneamento.

Hoje a cidade é referência nacional devido ao salto no tratamento de esgoto que, em 2003 era de 9,7% e em 2017 alcançou 98,2%. O contrato com a iniciativa privada estabeleceu a modernização e ampliação dos sistemas de abastecimento de água e esgoto com a inserção de novas tecnologias.

Em Vila Velha (ES) o objetivo e avançar nos investimentos para universalização do saneamento através de um recente contrato de parceria público privada, realizado em 2017. Atualmente, segundo dados do SNIS, 50,8% da cidade conta com serviço de coleta de esgotamento sanitário. As obras de expansão estão previstas para ocorrer a partir de 2020 e a finalidade é universalizar os serviços em até 9 anos.

A região metropolitana de Recife (PE) é reconhecida por ter a maior PPP de saneamento básico do Brasil, evidenciando que parceria entre público e privado é capaz de transformar a realidade do saneamento no país. Esta iniciativa já beneficiou diversas pessoas em 15 municípios.

O contrato, firmado em 2013 entre a companhia estadual de saneamento e a iniciativa privada, conta com financiamentos como o Banco do Nordeste através do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Desde o início da PPP foram investidos R$ 800 milhões e gerados 2 mil empregos. Entre as melhorias a serem realizadas estão a implantação de 450 km de novas redes de esgoto, 5 novas Estações de Tratamento de Esgoto e 25 Estações Elevatórias de Esgoto.

Apesar destes exemplos, o saneamento continua sendo o setor da infraestrutura mais atrasado do Brasil. O motivo pode estar relacionado à falta de concorrência, que afeta a expansão do atendimento, o aumento dos investimentos e a melhoria na capacidade de gestão. Além deste fator, há a indisponibilidade de recursos públicos impedindo a expansão dos serviços de água e esgoto.

Estes fatores reforçam a necessidade de maior mobilização do capital público e privado, seja por meio de concessões ou parceiras público-privadas. A competitividade do setor deve ser garantida e regulada pelo poder público, sendo um órgão fiscalizador de monitoramento que preze por uma boa governança regulatória e corporativa, além de garantir a qualidade do serviço prestado pelo ente privado.

Apenas desta forma será possível garantir o acesso à agua e ao esgotamento sanitário adequado, direito humano definido nos objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU[7]. Todos os dias são despejados no meio ambiente bilhões litros de esgoto sem tratamento algum, contaminando solos, rios, mananciais e praias, com impactos diretos na saúde da população. O investimento em saneamento é uma ação de prevenção e proteção da vida humana e enquanto isso não for difundido não alcançaremos a universalização.

Evolução da prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil

Fonte: Instituto Trata Brasil. Elaboração própria.

[1] Saneamento básico é um conjunto de quatro serviços composto por abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos, resíduos sólidos urbanos e drenagem da água da chuva. A Lei nº. 11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. O art. 52 determina a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que tem como meta universalizar os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto até 2033. Atualmente se discute a proposta de um novo marco do saneamento (PL 3261/19) que foi aprovada pelo Senado em junho deste ano. O texto facilita a abertura do setor para a iniciativa privada e a intenção de alguns Estados de privatizar ou capitalizar companhias estatais, mas ainda precisa ser aprovado pela Câmara.

[2] Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

[3] De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

[4] Segundo os dados do estudo “Panorama da Participação Privada no Saneamento 2019” divulgado pela ABCON-SINDCON. Disponível em: http://abconsindcon.com.br/panoramas/.

[5] As PPP’s podem ser realizadas individualmente por municípios ou por companhias estaduais. No meu próximo artigo abordarei os tipos de empresas de saneamento básico, trazendo exemplos estaduais, e as diferenças entre PPP’S, privatizações e concessões.

[6] De acordo com o estudo “A importância da concorrência para o saneamento básico”, disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/publicacoes/2019/9/importancia-da-concorrencia-para-o-setor-de-saneamento-basico/.

[7] Veja mais em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.

Mayara Bertolani é economista, mestre pela Ufes e analista do Ideies.

Os conteúdos e as opiniões aqui publicados são de inteira responsabilidade dos seus autores. O Sistema FINDES (IDEIES, SESI, SENAI, CINDES e IEL) não se responsabiliza por esses conteúdos e opiniões, nem por quaisquer ações que advenham dos mesmos.

Deixe um comentário

Seu endereço de email não será publicado.


*