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As primeiras lições para o mundo do trabalho pós-coronavírus


por Vanessa Avanci

A reabertura gradual tem sido planejada pelos países com base em estratégias de controle dos riscos para a saúde pública, que incluem a testagem em massa, o distanciamento social, o isolamento para determinados casos e o rastreamento de contatos das pessoas infectadas e confirmadas. Os países e as regiões que já compreenderam que o caminho para salvar a economia tem que ser o mesmo das medidas necessárias para salvar vidas, estão servindo de exemplo neste momento de como realizar a transição para a nova normalidade. Em outros termos, é preciso repensar a retomada dos negócios de forma planejada e gradual em que o cerne da questão consiste no equilíbrio entre a prioridade à vida e o retorno das atividades econômicas.

Para o historiador Yuval Harari[1], diferente de outras epidemias do passado, como a varíola, os seres humanos evoluíram muito nas últimas décadas em capacidade de análise científica das informações, o que aumentou significativamente a capacidade atual de prevenção e de enfrentamento às doenças. No caso da pandemia de COVID-19, a identificação do vírus causador da doença foi rápida, há ampla difusão das informações importantes de prevenção ao contágio – como o distanciamento social e o uso de máscara – e os cientistas estão avançando com grande capacidade tecnológica na busca de soluções, como as vacinas e os tratamentos para o combate à pandemia.

Por isso, Harari afirma que a questão mais importante que esta epidemia coloca para o futuro da humanidade é uma escolha entre responder à crise por meio de maior cooperação internacional ou pela imposição de mais barreiras e controles entre os países. Como o coronavírus se espalhou de forma indiscriminada pelo mundo será mais racional pensar em uma saída coletiva da epidemia, já que o compartilhamento de informações sobre os surtos e o aprendizado sobre o controle da doença em um país ou uma região podem ajudar outras nações ou localidades a se preparar e evitar maiores perdas humanas e econômicas. Do ponto de vista do indivíduo, a lógica é semelhante, com pessoas bem informadas sobre a gravidade da COVID-19 e sobre as medidas de prevenção, há maior empoderamento do cidadão e aumento do comportamento solidário, o que é mais eficiente para o controle do contágio do que uma vigilância permanente.

À medida que a epidemia do COVID-19 avança nos estados brasileiros e as medidas de isolamento e de distanciamento social se prolongam, ficam mais claros os desafios a serem enfrentadas nos próximos meses para o retorno das atividades consideradas normais. Enquanto no Brasil ainda não há uma ampla capacidade para identificar os principais focos de propagação de forma rápida através de testagem, as atividades seguem com algum grau de impedimento enquanto houver risco de um colapso do sistema de saúde, o que tem variado muito pelo território nacional[2].

Mesmo nos locais classificados como de menor risco de contágio a população dever entender que este é um momento de transição gradual para uma nova realidade. As recomendações de distanciamento social que prevalecem no novo normal já estão mudando a forma de trabalhar, se locomover, fazer compras e administrar os negócios. Neste artigo trataremos especificamente das transformações em relação ao ambiente de trabalho.

Em resposta à essa recente crise, as atividades essenciais que não podem ser realizadas de forma remota adaptaram rapidamente suas operações e adotaram medidas emergenciais no local de trabalho orientadas por especialistas e órgãos de saúde e de controle de doenças infecciosas, como Secretarias de Estado da Saúde e da própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Como a situação da epidemia ainda irá se prolongar, as medidas de segurança adotadas passam a compor novos padrões de procedimentos operacionais em todos os setores. Para minimizar as incertezas inerentes a esse momento de pandemia, as empresas devem criar um plano de contingenciamento e de administração do risco de COVID-19 que permita respostas rápidas em meio à crise.

No Espírito Santo, o Sesi/Findes desenvolveu cartilhas setoriais com protocolos de combate ao novo coronavírus que instruem sobre as mudanças necessárias para um ambiente de trabalho mais saudável[3]. O objetivo destas cartilhas é orientar o comportamento dos indivíduos no ambiente de trabalho considerando as condições específicas de cada setor, com recomendações direcionadas aos procedimentos de limpeza dos ambientes administrativos e recepções, ambientes de produção, de almoxarifado e expedição.

As orientações para todas as pessoas incluem a higienização frequente de mãos e do antebraço com sabão ou álcool gel a 70%; evitar tocar os olhos, nariz e boca e usar máscara facial. No caso da máscara de uso não profissional (caseira), é importante destacar que se faça o uso também durante o trajeto entre a residência e o local de trabalho e que esta deve ser trocada a cada 2 horas ou sempre que estiver úmida. Em caso de sintomas como tosse, coriza, dor no corpo ou febre o colaborador deve comunicar à empresa imediatamente e procurar atendimento médico. Na prática, isso significa que para garantir um ambiente de trabalho saudável, pois as empresas também dependem da cooperação dos seus colaboradores. Para tanto, os departamentos de gestão de pessoas e as áreas de segurança e saúde do trabalho devem disseminar informações claras sobre os riscos da doença, as medidas de segurança que devem ser adotadas e as boas práticas a serem seguidas. Para melhorar a comunicação com seus colaboradores, as empresas podem usar diversos canais como o e-mail, a intranet e aplicativos para informes institucionais.  

Os locais fechados em que as pessoas permanecem por mais tempo, como os escritórios, os restaurantes e o transporte público são considerados de maior risco para transmissão. Por isso, para garantir a segurança e saúde no ambiente de trabalho os protocolos de segurança estabelecem que são necessárias mudanças, como por exemplo, dispor de suportes de álcool em gel ou líquido em locais estratégicos para uso comum, manter de distância mínima de 2 metros durante a realização do trabalho e evitar o uso de ar-condicionado dando preferência à ventilação natural. Também é recomendável reduzir as viagens a trabalho e evitar as reuniões presenciais com muitas pessoas e, quando possível, substituir estas por vídeo chamadas. Nos locais de uso comum é importante limpar e desinfetar as superfícies e objetos que são tocados com frequência, a exemplo de máquinas e ferramentas, balcões, bancadas, balanças, maçanetas, corrimãos, interruptores, torneiras, etc. Além disso, é importante evitar o contato físico e as aglomerações durante toda a jornada e em locais como refeitório[4].

Em locais de atendimento ao público, como as recepções e o comércio varejista, é recomendado disponibilizar álcool para que as pessoas possam higienizar as mãos ao entrar e deixar as portas abertas, para evitar tocar na maçaneta e para maior ventilação do ambiente. Além disso, a desinfecção das superficiais de objetos de uso comum deve ser realizada com frequência ao longo do dia e, quando possível, deve-se limitar a quantidade de visitantes que entram por vez nestes locais.

Nos próximos anos, novas tecnologias irão transformar o ambiente físico de trabalho a partir do uso de sensores para substituir a maior parte das superfícies compartilhadas como, por exemplo, o ponto eletrônico, que pode ser substituído por um código QR no telefone. O avanço tecnológico também deve acontecer em sistemas de filtração de ar que reduzam a contaminação, uma vez que ambientes fechados elevam os riscos de contágio.

A necessidade de trabalhar de casa intensificou o uso de tecnologias que já estavam disponíveis, mas ainda não eram amplamente difundidas, como softwares de comunicação e de compartilhamento de informações em nuvem. O aumento do trabalho remoto está acelerando a entrada no futuro digital em diversos setores que antes adiavam essas transformações, mostrando, por exemplo, que muitas reuniões que levavam à aglomeração de pessoas e ao deslocamento em grandes distâncias podem ser substituídas por plataformas virtuais reduzindo o tempo gasto e aumentando a eficiência[5]. Isso vem com uma maior necessidade de desenvolvimento remoto de novas habilidades, através, por exemplo de sistemas de aprendizado em ambiente virtual[6]. Nesta crise, muitos setores foram surpreendidos sem uma política sobre o modelo de trabalho remoto e tiveram que resolver às pressas como continuar com as atividades que podem ser feitas pelos trabalhadores de casa. Como a transição teve que ser feita sem planejamento, só agora algumas empresas estão realizando pesquisas sobre o trabalho remoto para entender na prática as dores e as necessidades dos profissionais, inclusive em relação ao equipamento adequado. Enquanto que, empresas atentas a esse futuro acelerado e que possuem capacidade de resposta rápida estão avançando no processo de digitalização e se adaptando, o que deve se refletir nos próximos meses em ampliação de serviços digitais e do e-commerce.

O economista Ricardo Paes de Barros[7] afirma que antes da crise a forma como o trabalho estava organizado nas cidades já mostrava a necessidade de superação por ser demasiadamente aglomerada e sincronizada. O ambiente de trabalho que aglomera as pessoas nas regiões metropolitanas, nos escritórios com ar condicionado, elevadores, refeitórios reúne condições que não são seguras em termos sanitários facilitando a propagação de doenças. Além disso, trabalhar de forma aglomerada e sincronizada gera a sobrecarga dos transportes o que também intensifica as contaminações. Para Paes de Barros o futuro deve contar mais com o trabalho remoto, mas também necessita de mudanças de infraestrutura de transporte e sanitárias, já que muitas atividades ainda precisam ser exercidas de forma presencial.

Para avançar na direção de um futuro mais digital, seja para a transformação via trabalho remoto, seja para o amplo acesso aos serviços digitais pela população, em meio à crise se faz necessária a inclusão digital no Brasil. Essa inclusão significa que duas frentes precisam ser melhoradas: i) o acesso à tecnologia e ii) o desenvolvimento de habilidades com as novas tecnologias digitais de forma ampla pela população. Este ainda é um importante entrave no país, à exemplo do que estamos observando em relação aos casos de pessoas que estão com dificuldade de acessar o auxílio emergencial do governo por dificuldade de uso do software e ainda por não possuírem um aparelho do tipo smartphone. Para que o avanço da digitalização na vida pós pandemia não seja mais uma fronteira de separação social essa questão deve fazer parte do planejamento estratégico de política pública para o longo prazo. Enquanto no momento atual, os bancos públicos podem ter um papel importante, qual seja, de indutor desta transformação tecnológica.

A proporção que essa crise tomou já a coloca como um marco na história da humanidade, mas será este também um ponto de inflexão da sociedade? Essa indagação deriva das ideias do historiador Yuval Harari que observa que as decisões tomadas neste momento podem levar a uma mudança de trajetória para o nosso futuro. Na impossibilidade de retornar imediatamente à situação anterior de sociedade em que estávamos vivendo, iremos decidir por moldar nosso futuro à semelhança do passado ou iremos em busca de uma nova realidade?

[1] https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-13/na-batalha-contra-o-coronavirus-a-humanidade-carece-de-lideres.html
[2] O Ministério da Saúde Saúde definiu critérios de distanciamento social com base em critérios epidemiológicos, ou seja, de transmissão da doença, além da capacidade da rede de saúde. O Espírito Santo está utilizando a taxa de incidência média (número de casos confirmados/habitantes * 100 mil) do município e a capacidades do sistema de saúde (taxa de ocupação dos leitos de UTI) como critério para a classificação de risco, e adicionalmente está considerando que os municípios que são adjacentes a um município de risco alto são automaticamente alçados a um nível de risco acima.
[3] As cartilhas foram criadas com o apoio de especialistas, como engenheiros de segurança do trabalho e médicos do trabalho, alinhadas às orientações sanitárias da SESA e da OMS e serão atualizadas conforme as novas orientações por parte dos órgãos oficiais.
[4] A Huawei, maior empresa de equipamentos de telecomunicações da China, reabriu suas unidades com medidas para prevenir novos casos de coronavírus como a checagem da saúde do trabalhador diária por meio de um aplicativo de saúde e o fechamento de refeitórios com a recomendação para que os trabalhadores façam as refeições na sua própria mesa. Fonte: https://edition.cnn.com/2020/03/31/tech/huawei-coronavirus-changes/index.html
[5] https://edition.cnn.com/2020/04/30/business/lessons-from-china-business-coronavirus-intl-hnk/index.html
[6] No Espírito Santo, o Serviço Social da Indústria (SESI) retornou as aulas que estavam paralisadas utilizando por meio de um ambiente virtual desenvolvido para os estudantes da instituição. Além de transmissão de aulas em tempo real, os alunos tem acesso a videoaulas de apoio, atividades e listas de exercícios, disponíveis em diferentes plataformas como computador, tablet ou smartphone. https://www.sesies.com.br/saiba-tudo-sobre-o-sesionline/
[7] https://valor.globo.com/impresso/noticia/2020/03/20/momento-de-mudancas.ghtml

Vanessa Avanci é Economista, doutora pela UFF e analista do Ideies

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