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Pacto federativo e gestão fiscal: desafios dos municípios brasileiros


por Rodrigo Taveira Rocha

O Brasil é um país de dimensões continentais e está dividido em 5.570 municípios. Apenas 213 deles, ou 4% do total, podem ser considerados cidades com gestão de excelência, segundo a edição de 2019 do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado no final de outubro[1].Trata-se de um importante e reconhecido indicador elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, que avalia a qualidade da gestão fiscal dos municípios brasileiros.

O índice é composto por quatro eixos: i) Gastos com pessoal, ii) Liquidez, iii) Investimentos e iv) Autonomia. Este último analisa se os municípios geram receita suficiente para a manutenção da sua própria estrutura administrativa[2]. Voltaremos a este assunto mais à frente.

Os números completos do IFGF revelam que 4% dos municípios brasileiros têm gestão considerada de excelência, 21% têm boa gestão fiscal, 32% estão com gestão em dificuldade e 39% têm gestão crítica. Outros 4% dos municípios não foram analisados por não terem enviado no tempo adequado todos os dados fiscais referentes ao ano de 2018 para a Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Observando a situação do total dos municípios por unidade da federação, o Espírito Santo aparece em 3º lugar no ranking dos estados com mais cidades consideradas com gestão boa ou de excelência (55%), ficando atrás do Paraná (56%) e de Santa Catarina (65%).

Mapa 1 - Percentual de municípios com gestão boa ou de excelência segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal 2019

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Fonte: Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF). Elaboração: Ideies / Findes

Os números gerais são preocupantes e reforçam um diagnóstico bastante difundido entre especialistas do setor: os municípios brasileiros têm baixa capacidade de arrecadação, ainda que com muitas obrigações constitucionais na oferta de serviços públicos, o que muitas vezes acarreta em má qualidade na prestação destes.

O nível municipal é o responsável pelo provimento de diversas políticas públicas, como a educação infantil e o primeiro ciclo do ensino fundamental, o atendimento básico de saúde, o saneamento, a infraestrutura viária, o urbanismo, a iluminação pública, dentre outros. No entanto, o munícipio é o ente que recebe a menor fatia da arrecadação total, comparado aos estados e à União[3].

Em relação ao eixo da Autonomia citado acima, que compõe o IFGF, os dados mostram que exatamente um terço (1.856) dos municípios do país receberam nota zero na última avaliação, ou seja, não geram receitas locais suficientes para cobrir os custos da Prefeitura e Câmara de Vereadores, dependendo de transferências. No Espírito Santo, foram nove municípios enquadrados nessa situação.

Casos de sucesso e boas práticas

No Rio de Janeiro, estado em que é produzido o indicador, a única cidade com gestão de excelência foi Niterói, com nota 0,8066 em uma escala que vai de 0 a 1.

Nos últimos anos Niterói se tornou um caso de sucesso em gestão fiscal no Rio de Janeiro, subindo gradativamente no ranking estadual, de 55º em 2012 para a liderança a partir de 2016. Em 2017, a cidade ainda chegou a ser a 4ª colocada no ranking nacional.

De maneira geral, são destacadas a adoção de medidas para o desenvolvimento institucional e profissionalização da administração, com ações de transparência, colaboração, modernização e desburocratização[4].

Dentre algumas iniciativas adotadas no município, podemos citar a criação da “poupança de royalties”, que consiste em um Fundo de Equalização de Receitas em momentos de frustração do recebimento de rendimentos da atividade de exploração de petróleo. Paralelamente, a cidade lançou diversos programas de incentivo a novas atividades econômicas, buscando gerar diversificação, emprego e renda. Foi o caso do Polo Cervejeiro de Niterói, que incentiva à produção da bebida, à regulamentação das empresas do ramo e criação de selo de qualidade; a nova Lei de Hotéis, que incentivou a instalação de novos meios de hospedagem propondo também novos parâmetros urbanísticos para a construção destes estabelecimentos; e o Niterói Audiovisual, um programa de investimentos para impulsionar o setor, com editais de fomento, programas de formação e realização de mostras e festivais.

O Pacto Federativo

O pacto federativo pode ser definido como “o conjunto de dispositivos constitucionais que configuram a moldura jurídica, as obrigações financeiras, a arrecadação de recurso e os campos de atuação dos entes federados[5].”

O assunto voltou à tona com a apresentação da PEC do Pacto Federativo pelo Governo Federal, no começo de novembro. Alguns dos seus principais pontos são a criação do “estado de emergência fiscal”, que desindexaria despesas obrigatórias e criaria mecanismos automáticos de redução dos gastos, quando necessário; a unificação dos gastos mínimos constitucionais em saúde e educação, a serem administrados conjuntamente pelo gestor (ex: os prefeitos não precisariam gastar no mínimo 15% das receitas com saúde e 25% com educação, mas sim 40% com a soma dos dois gastos, com margem para distribuí-los como for mais adequado à realidade de seu município)[6]; e a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor do que 10% da receita total. Este último é um ponto bastante polêmico e de difícil enfrentamento político. No entanto, há estudos que mostram que a grande fragmentação de municípios no Brasil não trouxe melhoria nos indicadores para as populações locais[7]. Dessa forma, há opiniões a favor do mérito da proposta de se reagrupar municípios, mas também houve críticas à forma e ao desenho, considerado simplistas, contidos na PEC. Pode ser que a tramitação no Congresso Nacional ajude a aperfeiçoar a proposta.

A sustentabilidade fiscal dos municípios como fator importante para a melhoria do ambiente de negócios local

Os dados revelados pelo IFGF permitem reflexões importantes: a boa gestão fiscal não é um fim em si mesma, mas é condição importante para possibilitar investimentos e a adequada prestação de serviços públicos por parte dos governos, que por sua vez impactam no curto, médio e longo prazo em fatores como capital humano e infraestrutura, por exemplo. Da mesma forma, também não parece razoável que a estrutura e a burocracia estatal sejam um fim em si mesma, gerando municípios que não sejam capazes de se sustentar com suas receitas locais.

Na agenda de reformas que o Brasil já está enfrentando, a gestão fiscal dos municípios poderá ser bastante ajudada com impactos positivos da Reforma da Previdência, se estendida aos regimes próprios municipais; com a reforma tributária e do pacto federativo, melhorando a capacidade de arrecadação, a distribuição de recursos e a sustentabilidade dos municípios; e com reformas administrativas, que reorganizem a estrutura de recursos humanos da União, estados e municípios.

Rodrigo Rocha é Analista de Estudos e Pesquisas do Ideies e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV-SP.

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