Dada a natureza sanitária da crise causada pelo novo coronavírus, o distanciamento social foi a principal medida recomendada aos países pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar um colapso dos sistemas de saúde. Essas medidas de distanciamento social, no entanto, não foram uniformemente adotadas em todas as regiões do mundo, resultando em diferentes graus de efetividade no controle da propagação da pandemia. Isso tem tido impacto na forma como é feita a retomada das atividades econômicas nos países, dado que no cenário atual de ausência de vacina e de tratamentos bem definidos, uma baixa capacidade de controle do coronavírus representa uma fonte de incertezas para a população e para os negócios. Mesmo para os países que controlaram a propagação do coronavírus a recomendação continua sendo manter o uso de máscaras e realizar o acompanhamento de novos casos por meio de testagem. No Brasil, um estudo recém-publicado mostra que a heterogeneidade estrutural estadual, considerando características econômicas, demográficas e comportamentais, está causando uma diversidade epidemiológica muito grande no país, gerando “várias epidemias” com seus diferentes momentos e magnitudes. Isso, implica em trajetórias de contenção da epidemia também heterogêneas, com necessidades diferentes de medidas de controle da propagação e que resultará em diferentes impactos econômicos[1].
Desde a década de 70 a área de economia da saúde possui uma agenda de pesquisa que relaciona a melhoria das condições de saúde da população a impactos sociais e econômicos, tais como a redução da pobreza, a elevação da produtividade do trabalhador e o crescimento econômico. Além de considerar a abrangência em um país ou região destes impactos econômicos e sociais da melhoria da saúde, também se reconhece uma grande interdependência entre os territórios, afinal os problemas de saúde podem gerar efeitos negativos que ultrapassam as fronteiras geográficas dos países. Neste ponto, a pandemia da Covid-19 demonstrou que os países e regiões que não controlam a propagação de doenças representam um risco muito maior no mundo globalizado.
Em 2015, a ONU já havia estabelecido a melhoria das condições de saúde como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com uma agenda de ações específicas e relacionadas para assegurar uma vida mais saudável para todo o mundo até 2030. Dentre as metas específicas se encontra a ideia de “atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos”[2]. A ideia de ampliar o acesso aos serviços de saúde faz parte da agende de vários países com economias em rápido crescimento, que elevaram os gastos com saúde em 6,3% por ano entre os anos 2000 e 2017 em termos absolutos, enquanto suas economias cresceram em média 5,9% ao ano[3]. Ainda assim, percebe-se que há necessidade de maiores investimentos globais em saúde, dado que as estimativas de gasto médio por pessoa são de US$ 41 em 2017 nos países de renda baixa comparado com US$ 2.937 nos países de renda alta mostrando o tamanho da desigualdade de condições existente. Nos países que não atingiram uma cobertura universal de intervenções de saúde essenciais a situação de exclusão em geral atinge a população mais pobre e tende a ser concentrada por região[4].
Ademais à importância de melhorar as condições de saúde da população como medida prioritária para aumentar a qualidade de vida e erradicar a pobreza no mundo, vários estudos econômicos indicam que países que investem mais em saúde também observam ganhos de produtividade do trabalho com impactos para o crescimento econômico de longo prazo[5] [6] [7]. Os impactos sociais e econômicos da saúde de uma região são medidos pela expectativa de vida (ou anos potenciais de vida perdidos) da população baseando-se na ideia de que melhorar a cobertura dos atendimentos de saúde pode diminuir as mortes evitáveis. Essas mortes evitáveis podem ocorrer em qualquer fase da vida, por doenças infecciosas, subnutrição e comorbidades. O tamanho da importância da relação entre renda e saúde foi estimado em que para cada ano de aumento na expectativa de vida da população há uma contribuição de 4% para o crescimento no produto.
Os impactos diretos da melhoria nas condições de saúde para a economia se dão na forma de maior produtividade do trabalhador e por meio de impacto no crescimento da acumulação de capital físico. Por isso, houve uma expansão do conceito de capital humano, que além de considerar a escolaridade e o tempo de experiência do trabalhador, também passou a considerar os indicadores de suas condições de saúde. A melhoria das condições de saúde da população tem como impactos menos dias de ausência da escola na vida infantil e do trabalho na vida adulta, o que resulta em menores impactos negativos sobre o salário do trabalhador e uma maior produtividade. Além disso, ao melhorar o aprendizado dos alunos há maiores retornos dos investimentos em educação e isso impacta diretamente na renda dos indivíduos ao longo da vida[8]. Há também efeitos indiretos por meio de que as melhores condições de saúde e a redução da mortalidade geram uma maior expectativa de vida da população e tendem a incrementar os incentivos para o aumento no nível de escolaridade, pelo maior tempo de amortização desse investimento. Diminuição da mortalidade também podem levar as pessoas a economizar para a aposentadoria, aumentando os níveis de investimento e capital físico por trabalhador[9].
A saúde é um bem público que envolve efeitos de transbordamento no sentido de que o bem-estar de uma família depende diretamente das ações das demais e o bem-estar da população em uma região será maior com a melhoria da saúde de seus indivíduos. A prevenção e o controle de doenças de grande incidência e com ocorrências de surtos, como por exemplo a dengue e de suas formas graves, depende de estratégias e políticas públicas em colaboração com a população. No caso da malária, em regiões com prevalência dessa doença foi observado que a melhoria das condições de saúde gerou impactos significativos no nível de renda per capita[10]. Assim, justifica-se que as garantias das condições de saúde de um país envolvam não apenas os gastos privados das famílias, mas dependem de todo o gasto em saúde da economia. Segundo a OMS, os gastos públicos representam cerca de 60% dos gastos globais em saúde e cresceram 4,3% ao ano entre 2000 e 2017. Para um grupo de países em rápido crescimento no período entre 2000 e 2017, particularmente India e China, está ocorrendo uma transição do financiamento da saúde, aumentando o gasto público per capita e a parcela do gasto público no gasto total com saúde da economia.
Além disso, o setor de saúde tem muitos impactos econômicos importantes, pela geração de muitos empregos, por ser dinâmico e criador de mudanças tecnológicas e porque gera importantes benefícios sociais a partir da garantia da própria saúde. O crescimento do investimento em saúde tem importância em termos do gasto com infraestrutura e aumento do número de profissionais, mas além disso, a OMS destaca a importância da atenção primária, baseada em uma estrutura de postos de atendimento locais para prevenção de doenças e acompanhamento pré-natal e de comorbidades. Esse tipo de atendimento e as intervenções de saúde de menor intensidade são considerados como geradores de fortes efeitos positivos na população de idade ativa, principalmente nas regiões menos desenvolvidas em que a cobertura de saúde é relativamente baixa[11].
Os investimentos em saúde são mais eficientes quando combinados com investimentos em universalização do acesso aos serviços de saneamento básico porque possuem efeitos complementares (Sachs, 2001). Evidências comprovam que o saneamento básico tem impacto positivo na saúde pela redução de doenças infecciosas[12]. Fazendo um breve resgate histórico, a epidemia de cólera em Londres em 1854 trouxe à tona o conhecimento da relação das condições de saneamento e as doenças, dado que a água contaminada foi o meio de propagação. O acesso à água tratada nas residências é essencial para a saúde das pessoas porque a ingestão de água não tratada é um vetor de patógenos. Além disso, a cobertura universal do serviço de água é necessária para garantir que a população possa realizar a higiene pessoal, dos alimentos e a limpeza da casa, medidas importantes de prevenção de doenças. Outra dimensão importante do saneamento básico é a coleta do esgoto domiciliar que tem por efeito direto na saúde a diminuição e até interrupção da transmissão de doenças, como infecções parasitárias e de seus impactos negativos para o crescimento infantil, resultando em trabalhadores mais saudáveis[13]. Por fim, para os países em desenvolvimento o fornecimento os serviços básicos de água e coleta de esgoto possui uma relação estimada de benefício / custo de 7 para 1, dado que os investimentos em infraestrutura de saneamento básico também geram retornos na forma de empregos diretos e indiretos[14].
A pandemia do coronavírus deu grande visibilidade às diferenças de infraestrutura de saúde e do acesso aos serviços essenciais para a população de distintos estados e municípios do país. Adicionalmente, ficou evidente a necessidade de ampliar a cobertura de serviços de saúde e de saneamento básico para garantir até as medidas mais simples de prevenção às doenças para a população como lavar as mãos. Os estudos e pesquisas da economia da saúde demonstram que a melhoria da saúde da população não é apenas um fim em si mesmo, mas será também um meio para alcançar os almejados ganhos de produtividade e o crescimento econômico de longo-prazo.
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