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Saltar duas casas: o gás natural e a possibilidade de novos futuros


por Nathan Diirr

A indústria do gás natural pode ser dividida em cinto importantes elos: a produção, o escoamento, o transporte, a distribuição e a comercialização. Enquanto o primeiro e o último elo (produção e comercialização) são caracterizados como potencialmente concorrenciais, os elos do meio (escoamento, transporte e distribuição) são caracterizados como monopólio natural.

O monopólio natural ocorre quando o custo de se produzir uma certa quantidade de um produto em uma firma é inferior ao custo se essa mesma quantidade fosse produzida por duas firmas. Já a concorrência é definida como a competição por lucros entre as empresas já alocadas no mercado e os potenciais entrantes.

Por exemplo, o transporte do gás natural segue a configuração de monopólio natural. Não há como incluir competição na construção de gasodutos porque não é coerente economicamente a construção de um gasoduto do lado do outro. Contudo, a atividade de carregar o gás que passa pelos gasodutos não segue característica de monopólio natural. Essas atividades são potencialmente concorrenciais porque a inclusão de mais empresas não aumenta o custo de produção.

O que acontece com a indústria do gás natural, no caso brasileiro, são áreas potencialmente concorrenciais em poder de monopólio e sem a permissão de acesso a infraestruturas essenciais como as unidades de processamento de gás natural (UPGN’s) para que produtores independentes possam utilizar parte da capacidade ociosa da Petrobras.

É nesse plano de fundo que o programa Novo Mercado de Gás, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em conjunto com o Ministério da Economia, Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Empresa de Planejamento Energético (EPE) e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), surge para buscar um novo marco regulatório para o setor.

As propostas discutidas entre diversos atores e conduzidas pelo MME, foram materializadas no PL 6.407/2013, em tramitação na câmara dos deputados[1]. O objetivo é promover a concorrência, a remoção das barreiras tributárias, a harmonização das regulações estaduais e federais e a maior integração da indústria de gás com o setor elétrico.

Os objetivos poderão ser alcançados através da inserção de competição nas áreas potencialmente concorrenciais, que hoje são monopólios restritos à Petrobras. Além disso, permitir o acesso de terceiros em infraestruturas essenciais para que o insumo chegue até o consumidor final através de diferentes fornecedores. A figura 1 e 2 detalha o modelo atual e o proposto com o novo marco. Para atrair novos investimentos, o projeto prevê transparência e segurança jurídica em todos os fluxos contratuais, bem como uma regulação clara e objetiva, para que não haja duplo sentido nas normas do mercado.

O atual desenho da indústria de gás natural, representado na figura 1 possui como característica a presença da Petrobras em todos os elos da cadeia de produção e comercialização do insumo. A proposta é a saída gradual da empresa, destinando parte das atividades para novos agentes, removendo barreiras jurídicas, tributárias e contratuais, o que pode garantir maior segurança jurídica e financeira ao investidor.

Os instrumentos para alcançar o modelo exposto na figura 2 dependem primeiramente da aprovação do novo marco regulatório. Posteriormente, surgem as devidas implicações para diferentes atores, estaduais e nacionais, que merecem devida atenção para que consigam alcançar sinergia e assim, aprimorar o mercado de gás no Brasil. Para tanto, podemos direcionar as ações em três grupos de atores.

O primeiro é destinado àqueles que definem o modelo regulatório vigente. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o poder executivo federal, bem como os ministérios associados a essa decisão como o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério da Economia (ME). Além desses, o poder legislativo precisa estar atento para legislar as lacunas que possam surgir com a aprovação do marco regulatório. Por fim, inclui nesse grupo o poder executivo estadual, com a necessidade de delimitar o arcabouço do modelo regulatório para a área de distribuição do insumo.

O segundo grupo pertence as agências reguladoras, estaduais e nacionais, aquelas cujo o trabalho percorre a fiscalização e a regulação dos serviços que dependem da delimitação do marco regulatório, definido pelo primeiro grupo. O terceiro grupo é composto pelos atores que compõe as definições no âmbito tributário com destaque para as Secretarias da Fazenda, em âmbito estadual e, em âmbito federal, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Outros atores também consolidam os esforços para a promoção desse mercado e que vão ao encontro da mesma finalidade:

Em 2017, o Cade promoveu junto à Petrobras um termo de compromisso de Cessação de Prática (TCC). O acordo prevê que a Petrobras libere a capacidade contratada e não utilizada em gasodutos de transportes, além do acesso de terceiros a todas infraestruturas essenciais ao setor de gás natural, tais como gasodutos de escoamento, UPGN’s e os terminais de gás natural liquefeito (GNL). A contrapartida do acordo é o Cade encerrar os processos de conduta anticompetitivas no órgão.

No plano de desinvestimento da Petrobras está claro que o novo business da empresa não considera o mercado de gás. Desde 2017, a companhia está realizando a venda de ativos com o intuito de sair desse mercado. Entre as ações realizadas pela empresa, destacam-se a implementação dos mecanismos de mercado como a não exclusividade nos contratos de transporte de gás natural celebrados com as transportadoras e a venda dos ativos de transporte de gás natural, tal como foi com a TAG e está acontecendo com a NTS e a Gaspetro[2].

Além disso, a empresa iniciou a abertura das UPGN’s e, assim sendo, os produtores não precisarão vender o gás à Petrobras. Os produtores independentes do insumo poderão contratar parte da capacidade de processamento da Petrobras e continuarão sendo proprietários do gás produzido e de todos os seus derivados. A empresa vai ofertar no Espírito Santo 18.100.000 m³ de capacidade em Linhares, no polo de Cacimbas e também 2.500.000 m³ de capacidade em Anchieta, no polo Sul Capixaba.

Todo o plano de desinvestimento da Petrobras e acesso à capacidade ociosa das instalações são necessários para o novo desenho do mercado de gás no Brasil. A quebra de monopólios em atividades concorrenciais é o atual gargalo que impede um preço do insumo mais competitivo. Contudo, o avanço da discussão inclui novos pontos cruciais e urgentes e que passou a envolver novos atores como, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O BNDES se voltou para articulação dos atores para melhorar tomada de decisão cruciais dentro de um novo marco regulatório do setor. Em um mercado consolidado, oferta e demanda convergem para um ponto de equilíbrio, contudo, um mercado com uma configuração de falhas de mercado ainda é preciso uma articulação maior dos agentes. O banco mostrou-se capaz de desempenhar o papel de articulador.

Entre as principais propostas está o xeque mate para uma das dúvidas com relação ao escoamento do gás do pré-sal. Recentemente, realizamos uma discussão no Portal da Indústria do Ideies, a respeito das possibilidades de escoamento da produção do gás do pré-sal. Você pode conferir clicando aqui. A proposta do banco é a criação de um hub em alto mar, conectando os gasodutos de escoamento da produção das operadoras até uma UPGN. O financiamento do projeto seria articulado com as operadoras (capital próprio) e o capital do banco articulados em uma Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Qual deve ser o posicionamento do Espírito Santo deve para aproveitar esse momento de mudança do setor?

O serviço de distribuição de gás natural é monopólio dos estados e dessa forma, cabem as unidades federativas a implementação de mecanismos para ampliar os benefícios oriundos desse segmento. O projeto Novo Mercado de Gás possui pontos de incitações para que os estados se alinhem com a proposta federal. Para tanto, a busca pela maior diversificação dos agentes envolvidos passa pelos caminhos adotados em âmbito nacional.

O título desse artigo “Saltar duas casas: o gás natural e a possibilidade de novos futuros” faz referência ao jogo de xadrez. O peão é a peça que pode tornar-se a dama ao atingir a oitava linha do tabuleiro, a depender da estratégia do jogador. É o peão, a peça que lhe é permitido saltar duas casas, com a ressalva de ser o primeiro movimento. O saltar duas casas, depende mais uma vez da estratégia do jogador.

Não obstante, o Espírito Santo precisa mapear sua estratégia na indústria do gás natural, dado que se aqui estiver organizado um mercado com a molécula de gás competitiva, o estado criará bases para a atração de vultuosos investimentos, principalmente de plantas industriais intensivas no uso do insumo.

Para tanto, cabe arrumar o tabuleiro antes de saltar duas casas. A agenda regulatória da distribuição deve ser algo crível no mercado, criando bases para um ambiente de negócios promissor. Recentemente, o governo do estado criou a nova empresa de gás natural (ESGÁS) com um contrato moderno e alinhado às boas práticas de mercado. A promessa é estabelecer no Espírito Santo um mercado em consonância com o projeto do MME, o Novo Mercado de Gás.

A empresa nasceu já demonstrando boas práticas para disponibilizar uma molécula mais competitiva no estado. A companhia divulgou chamada pública para aquisição de gás natural ainda em 2020. A proposta é viabilizar o fornecimento de gás no Estado oriundo de outros fornecedores, além da Petrobras. A proposta é reduzir o preço de aquisição do insumo e dessa forma, é esperada uma queda no insumo para o cliente final no Espírito Santo.

Outro destaque importante para o Estado é a promoção da independência da Agência de Regulação de Serviços Públicos no Espírito Santo (ARSP). Atualmente, a agencia é uma autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sedes). Há, contudo, a necessidade de prover autonomia e independência decisória na regulação dos serviços de distribuição de gás natural. Esse princípio torna-se importante para que decisões técnicas da autarquia tenham reconhecimento crível perante os agentes regulados no mercado, evitando a ocorrência de pressão por grupos de influência[3].

Acrescenta-se, a aplicação de um mercado livre de gás natural na distribuição de gás no Espírito Santo criaria bases para diversificação da oferta da molécula, o que permitiria maior competitividade e menor preço. Em recente artigo nesse blog, mapeamos os entraves do ponto de vista regulatório para a abertura do mercado de gás na distribuição no Espírito Santo. Você pode conferir clicando aqui.

No último dia 19 de agosto, o governador do Espírito Santo apresentou um projeto de lei propondo maior dinamização do mercado livre de gás natural no Espírito Santo. A proposta reduz a quantidade mínima de consumo de gás natural para enquadramento como consumidor livre com diferenciação tarifária do mercado cativo e do mercado livre. A lei criará bases para promoção de livre negociação do insumo e de expansão de gasodutos privados.

Além do mercado livre, a separação do monopólio natural das atividades potencialmente concorrenciais torna-se necessário, nos moldes como hoje é pensado em nível federal.

É através da organização estratégica de uma nova empresa de distribuição de gás alinhada a uma agenda regulatória firme e pautada em boas práticas regulatórias nacionais e internacionais que será possível introduzir no Espírito Santo uma molécula competitiva para atração de investimentos. O tabuleiro do xadrez é o projeto Novo Mercado de Gás e o jogo se realiza no Espírito Santo. A nova empresa de distribuição de gás é apenas o primeiro movimento para alcançar o xeque mate, não esqueçamos do restante da estratégia.

Assim, poderemos saltar duas casas e pensar em novos futuros para a economia capixaba.

[1] O PL 6.407/2013 está aguardando o parecer do relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS).

[2] Os teasers podem ser conferidos no link <https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-Comunicados/comunicados-ao-mercado/>

[3] As agências reguladoras nacionais já funcionam com autonomia e independência decisória, como por exemplo a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).

Nathan Diirr é economista e analista do Ideies.

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