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Aspectos do saneamento básico no Espírito Santo – Parte 1


por Mayara Bertolani

Em artigo publicado em 28 de abril, foram apresentados os desafios municipais e os aspectos regulatórios a partir do Novo Marco Legal do Saneamento. Neste artigo, serão apresentadas, de forma sucinta, as características do saneamento básico no Espírito Santo.

No Espírito Santo há três tipos de empresas administrando os serviços de saneamento nos municípios (empresas municipais, empresas estaduais e empresas privadas). Não há um melhor modelo para a prestação do serviço de saneamento, mas sim um modelo adequado de negócio que deve ser definido através de alguns critérios, como, por exemplo: i) a densidade demográfica da localidade, ii) a renda per capita, iii) a rede já instalada e iv) a capacidade expandir o atendimento de forma a garantir a universalização dos serviços de saneamento básico, que de acordo com o novo Marco Regulatório é de 90% do esgoto coletado e tratado e 90% de atendimento de água até o ano de 2033.

Isto é, a solução para o saneamento transcorre por modelos híbridos, os quais a prestação pública dos serviços, a concessão plena e as parcerias público-privadas (PPP) são complementares, de acordo com as características da área em que o serviço será prestado. O objetivo principal é a garantia do cumprimento das obrigações previstas em contrato, para que ocorra a universalização do saneamento, a prevenção de doenças e a preservação do meio ambiente.

Mapa 1 – Operadores de saneamento básico no Espírito Santo
Mapa 1 – Operadores de saneamento básico no Espírito Santo

Fonte: Cesan, SNIS e Sedurb.

Entre os 78 municípios do Espírito Santo, a maior cobertura é da Cesan, que atua de forma completa em 42 municípios do estado. Em Aracruz a companhia atua apenas na orla do município, serviço autorizado através do convênio entre a Cesan e o SAAE[1].

Em Cariacica, Serra e Vila Velha, a Cesan atua apenas nos serviços de abastecimento de água, visto que estes municípios possuem Parceria Público-Privada (PPP) para os serviços de esgotamento sanitário com a empresa AEGEA Saneamento.

O Novo Marco Regulatório impactou a renovação de contrato entre a Cesan e os municípios de Laranja da Terra, Montanha, Mucurici, Pinheiros, Piúma, Ponto Belo e Presidente Kennedy. Isso ocorreu após o veto do texto do Marco Regulatório em que permitia que os contratos em vigor entre prefeituras e empresas estatais poderiam ser prorrogados por até 30 anos sem a necessidade de uma nova licitação. Dessa forma, com o encerramento do contrato, as cidades têm duas opções: prestar diretamente o serviço, sem licitação e por meio da criação de uma autarquia municipal ou fazer uma nova licitação pública para a prestação dos serviços.

Já em outras 25 cidades do Espírito Santo, a administração municipal opera os serviços de água e esgoto. E, em Cachoeiro de Itapemirim, quem atua é a iniciativa privada. O município foi um dos primeiros do Brasil a conceder a administração dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto para uma empresa privada, em 1998.

 

i) Empresa municipal de saneamento no Espírito Santo

No Espírito Santo, 25 municípios são atendidos pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), um tipo de autarquia à qual a administração direta outorga os serviços públicos de saneamento básico.

Nesta modalidade há dois tipos de gestão: a direta e a indireta. Na gestão direta a prefeitura assume diretamente a prestação dos serviços, caracterizando uma gestão centralizada e feita por intermédio de um Departamento Municipal.

Na indireta, o poder público geralmente transfere a execução dos serviços para autarquias para entidades paraestatais, instituídas sob a forma de empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou, ainda, concede os serviços para empresas privadas, caracterizando, em todos os casos, uma gestão descentralizada.

 

ii) Empresa estadual de saneamento no Espírito Santo

A Cesan foi criada em 1967 pela Lei 2.282, alterada pela Lei 2.295 e regulamentada pelo Decreto 2.575, de 11 de setembro desse mesmo ano. A companhia atua, de forma completa ou parcial, em 53 municípios do Espírito Santo (inclusos os 7 municípios que não puderam renovar o contrato, conforme explicado anteriormente), por meio de contratos de concessões e por delegação do Governo do Estado.

Nestes municípios atendidos pela Cesan o serviço é regulado, controlado e fiscalizado pela Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP)[2]. Além de ser responsável por definir a estrutura tarifária que a Cesan utiliza como base para os reajustes anuais[3], a ARSP também possui as funções de fiscalizar a prestação dos serviços e definir regras regulatórias para qualidade dos serviços e relacionamento do consumidor.

A ARSP, além de atuar nos municípios capixabas onde os serviços de água e esgoto são prestados pela Cesan, também pode exercer suas atividades nos outros municípios onde o serviço é realizado por empresas particulares, públicas municipais ou autarquias municipais. Para isso, é necessário que o município delegue as atividades de regulação e fiscalização para a ARSP. Este formato pode ser interessante para garantir homogeneidade nos critérios regulatórios de prestação de serviço de saneamento em todo o território capixaba.

 

iii) Empresa privada de saneamento no Espírito Santo

O contrato com a iniciativa privada estabeleceu em Cachoeiro de Itapemirim a modernização e ampliação dos sistemas de abastecimento de água e esgoto com a inserção de novas tecnologias[4]. Além da melhora no índice de atendimento de esgoto no município, o índice de perdas de água passou de 41,9% em 1999 para 27,2% em 2019. Esse número está bem abaixo da média nacional, que é de 39,2%, e da média estadual, que é de 37,3%.

No município, a fiscalização dos serviços de saneamento básico é de responsabilidade da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cachoeiro de Itapemirim (Agersa), criada em 1999. Em 2005 a agência tornou-se de atuação multissetorial, o que a permite promover a regulação, o controle e a fiscalização de todos os serviços públicos concedidos pelo poder público municipal[5].

  

O Novo Marco Regulatório do Saneamento

O Novo Marco Regulatório do Saneamento torna obrigatório que os estados e os municípios promovam a abertura de um processo licitatório para qualquer contratação de serviço de saneamento, abrindo caminho para a ampliação da participação da iniciativa privada no mercado[6].

Anteriormente ao novo Marco Regulatório, cada município firmava compromisso diretamente com empresas estaduais ou municipais de água e esgoto, mediante prévio Convênio de Cooperação com o estado, sob o chamado contrato de programa, para que as estatais assumissem os serviços sem licitação. O novo Marco reconhece a prestação direta dos serviços por integrante da administração do titular ou a concessão mediante concorrência de empresas privadas em condições de igualdade com estatais.

A nova legislação também permite a celebração de contratos dos serviços em bloco, agrupando cidades, de modo que municípios vizinhos poderão integrar o mesmo processo licitatório. A regionalização torna os blocos de municípios mais atrativos para os investimentos privados. A nova legislação obriga que os contratos em vigor sejam revisados (de programa ou de concessão) para incluírem metas de universalização, bem como para que seus atuais operadores demonstrem condições econômico-financeiras para alcançá-las.

Dessa forma, a legislação determinou aos estados a definição das suas respectivas regionalizações por meio da criação das Unidades Regionais de Saneamento – URS ou Microrregiões de Saneamento, constituída pelo agrupamento de Municípios, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, e para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos. Caso os Estados não estabelecessem esta regionalização até 15 de julho deste ano, a União estabeleceria, de forma subsidiária, Blocos de Referência – BR – para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico.

 

A Regionalização no Espírito Santo

A proposta de Lei para a regionalização de Águas e Esgoto esteve em consulta pública desde o dia 22 de junho. O Projeto de Lei Complementar (PLC) 11/2021, aprovado no dia 13 de julho, instituiu  uma única Microrregião de Águas e Esgoto no Espírito Santo, atendendo a uma exigência feita pelo novo Marco Regulatório do Saneamento Básico[7].

A proposta atual, que institui a criação de 1 Microrregião de Saneamento Básico para os 78 municípios do estado, não retira ou transfere a titularidade da prestação dos serviços de saneamento básico dos municípios, mas institui uma autarquia intergovernamental que será responsável pela governança com o objetivo de universalização dos serviços de tratamento de água e esgoto e cumprimento das metas definidas no novo Marco Regulatório[8]. Vale ressaltar que esta proposta não apresenta como e nem por quem será feita a administração da prestação dos serviços.

De acordo com o Estudo de criação da Microrregião de Saneamento Básico no Espírito Santo esse arranjo se faz possível em razão da alta sustentabilidade proporcionada pelos municípios da Região Metropolitana – que concentra aproximadamente 50% da população do Espírito Santo – que é compartilhada com os demais municípios menos sustentáveis, na forma de subsídios cruzados, numa única região, tornando esta proposta mais equilibrada.

Ainda, segundo o estudo, verificou-se que alguns municípios de forma isolada não terão capacidade econômica para viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços de saneamento básico. Para tanto, estes municípios teriam como alternativa a elevação o valor da tarifa em menor tempo, aprimorar a eficiência e otimizar a alocação dos investimentos. Todavia, quando tratados de forma regionalizada, verifica-se que este alcance se mostra viável em menor lapso de tempo.

O PLC 11/2020 institui que a estrutura de governança se dará pelo Colegiado Regional, que será presidido pelo governador e terá a participação do prefeito de cada cidade da região e de membro do Executivo. Há também o Comitê Técnico, composto por três representantes do Estado e por oito municipais; Conselho Participativo, que terá nove membros da sociedade civil, um dos sindicatos e um da Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (Famopes). Está prevista também a criação do cargo de secretário-geral.

Segundo o Projeto de Lei, o estabelecimento da microrregião tem por finalidade:

  1. Aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional, compatibilizando–os com os objetivos do estado e dos municípios que o integram, bem como fiscalizar e avaliar sua execução;
  2. Apreciar planos, programas e projetos, públicos ou privados, relativos à realização de obras, empreendimentos e atividades que tenham impacto regional;
  3. Aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais, constantes do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;
  4. Comunicar aos órgãos ou entidades federais que atuem na unidade regional as deliberações acerca dos planos relacionados com os serviços, por eles realizados.

Considerações finais

Embora a proposta da regionalização atenda a uma medida exigida pelo novo Marco Regulatório do Saneamento, é necessário entender como se dará a prestação do serviço. Ou seja, é necessário definir quais serão os arranjos instrucionais e legais para a prestação de serviços de um estado em que atualmente conta com 3 modelos distintos de prestação do serviço de saneamento básico.

Independente do caminho a seguir, a única maneira de oferecer serviços adequados de saneamento é por meio de investimentos. Isso pode ocorrer de diversas formas: por meio de estudos técnicos para entender melhor o cenário atual de cada município ou região, destinação de verbas para as obras e para os serviços, realização de parcerias com empresas privadas, entre outros pontos, como a educação da população acerca do descarte correto do lixo e do consumo consciente de água.

Dentro do território estadual ainda há discrepâncias entre os índices de atendimento de água e esgoto, particularmente em relação ao segundo que apresenta situações muito críticas e que demanda uma resolução emergencial visto os impactos destes serviços na saúde, no meio ambiente e na qualidade de vida da população em geral[9].

Embora os desafios para garantir o acesso universal da população aos serviços de água e esgoto sanitário ainda sejam enormes, é necessário que a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos municípios capixabas seja priorizado e alcançado através de uma gestão eficiente, com indicadores de desempenho qualificados e factíveis, garantindo uma tarifa sustentável tanto para o usuário como para o prestador, levando em consideração essa nova governança que integrará todos os municípios em uma única microrregião de saneamento.

[1] Saiba mais em: https://leismunicipais.com.br/a1/es/a/aracruz/lei-ordinaria/2020/436/4358/lei-ordinaria-n-4358-2020-autoriza-o-saae-a-celebrar-convenio-com-a-cesan?r=c

[2] Criada pela Lei Complementar nº 827 de 1º de julho 2016, a Agência de Regulação de Serviços Públicos (ARSP) é resultado da fusão da Agência Reguladora de Saneamento Básico e Infraestrutura Viária do Espírito Santo (Arsi) e da Agência de Serviços Públicos de Energia do Estado do Espírito Santo (Aspe).

[3] https://arsp.es.gov.br/tarifas-saneamento

[4] Isso não quer dizer que este seja o mecanismo de gestão mais apropriado e viável para saneamento em todos os municípios. Flores (2007) traz o exemplo da província de Santa Fé (Argentina), onde o poder público não conseguiu prestar um serviço satisfatório e a concessão do sistema à iniciativa privada foi igualmente problemática, devido aos valores cobrados dos usuários. A sociedade local mobilizou-se para lutar pela construção de um novo modelo de serviço, pertencente ao Estado, mas controlado pela população, por meio de práticas de gestão horizontais, abertas e participativas.

[5] Para mais informações acesse: http://agersa.es.gov.br/2016/.

[6] O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, salienta a importância da aplicação de capital privado no setor. “A capacidade de investimento do Governo Federal, dos estados e municípios, com recursos próprios ou provenientes de financiamentos, chega a R$ 7 bilhões por ano. No entanto, a necessidade do Brasil é dez vezes maior. Precisamos investir cerca de R$ 70 bilhões, anualmente, para ofertar serviços de saneamento de maneira universal até 2033”, afirma.

Desde a sanção do Marco legal, foram realizados quatro leilões para concessão de serviços de saneamento: em Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, sendo o último com maior volume de investimento privado (R$ 29,7 bilhões). Trechos de reportagem extraído de https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2021/07/marco-legal-do-saneamento-completa-um-ano, publicado em 15 de julho de 2021 e acessado em 17 de agosto de 2021.

[7] De acordo com o Novo Marco, cabe aos Estados a definição das suas respectivas regionalizações por meio da criação das Unidades Regionais de Saneamento – URS ou Microrregiões de Saneamento, constituída pelo agrupamento de municípios, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, e para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. E, caso os Estados não estabelecessem esta regionalização até 15 de julho deste ano, a União estabeleceria, de forma subsidiária, Blocos de Referência – BR – para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico.

[8] https://www.al.es.gov.br/Noticia/2021/07/41353/ales-aprova-microrregiao-de-aguas-e-esgoto.html

[9] Posto isso, a parte 2 deste artigo fará um diagnóstico recente da evolução da cobertura de saneamento básico dos municípios do Espírito Santo.

Mayara Bertolani é Mestre em Economia pela UFES e Analista do Ideies.

Os conteúdos e as opiniões aqui publicados são de inteira responsabilidade dos seus autores. O Sistema FINDES (IDEIES, SESI, SENAI, CINDES e IEL) não se responsabiliza por esses conteúdos e opiniões, nem por quaisquer ações que advenham dos mesmos.

2 Comments on "Aspectos do saneamento básico no Espírito Santo – Parte 1"

  1. Parabenizo a Mayara Bertolani, autora deste artigo!!!
    Pegunto: Temos informações atualizadas em 2022, referente às cidades capixabas que não possuem saneamento básico ou plano do mesmo, como determina em lei?
    Poderia me atualizar?
    Grato
    Wilson Gumz

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