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Gás, vinho, abertura do mercado e desenvolvimento econômico


por Fernando Montera

De benchmarking internacional para desenvolvimento do mercado de gás natural, já lemos e ouvimos muito, mas o que podemos aprender de lições enquanto apreciamos um bom vinho?

Em 1933, nos Estados Unidos, foi revogada a proibição de produção, importação, transporte e venda de vinhos e outras bebidas alcoólicas no país. Com a regulação resultante, foi aberto este mercado e instaurado uma estrutura em três elos: os produtores, distribuidores e revendedores (Three Tier System).

Naquela nova formatação de mercado era proibido que qualquer elo tivesse participação em outro, além dos produtores apenas poderem vender seus produtos através de distribuidores. Uma solução criada para evitar que algum agente tivesse poder exacerbado de mercado.

Ou seja, quem produzia vinho não poderia ser dono ou ter participação naquelas companhias de distribuição ou de revenda, assim por diante e vice-versa. Mais adiante, em 2005, passou a ser permitida a venda direta a revendedores, como um consumidor livre. Atualmente, se discute a possibilidade de pequenos fabricantes serem integrados verticalmente.

O mercado de gás brasileiro, por sua vez, foi desenvolvido a partir de dois monopólios (federal e estadual). Tal modelo foi importante para estruturar um mercado de rede em um país de extensão continental. Mas hoje, o que beneficiou o mercado, restringe sua continuidade.

Assim como para o vinho nos EUA, os elos da cadeia de valor do gás natural no Brasil deveriam ser independentes. Produtores não deveriam controlar as infraestruturas nem terem participação na distribuição, assim por diante e vice-versa.

A situação verticalizada atual não é boa para o Brasil, nem configura o core business do atual agente dominante. Além da venda de gás natural representar menos de 7% da receita líquida da Petrobras, o segmento de Gás e Energia será responsável por apenas 5,9% dos investimentos da companhia até 2023, equivalente a US$ 5.3 bilhões.

Enquanto isso, apenas com a venda dos dutos de transporte do Nordeste e Norte, a companhia levantará US$ 8,5 bilhões. Não é bom para o Brasil, não é de interesse público manter o controle com a Petrobras e vale mais para todos quando a malha dutoviária é operada por agentes que ganhem também com o desenvolvimento do mercado.

Diferente de bebidas como o vinho, não há razão para verticalização do mercado de gás. Vinhos são produtos que se diferenciam um do outro, o gás tem sua qualidade definida em regulação. É preciso que, nesse processo de abertura do mercado, as ações sejam tomadas de modo que os monopólios sejam quebrados, e não que pequenos monopólios regionais sejam criados.

Para seguir o modelo da indústria de vinho americana, desverticalizado, independente e com um mercado livre e estruturado, o gás natural precisa de ações em diversas frentes. São ações de âmbito federal e estadual em quatro grandes principais linhas: Regulação, Oferta Nacional, Demanda e Infraestrutura (Figura 1).

Figura 1. Principais frentes de atuação para dinamização do mercado de gás brasileiro

Fonte: elaboração própria.

Espera-se, assim, garantir o pleno desenvolvimento do mercado, pautado na viabilização de múltiplos ofertantes e consumidores, garantindo um mercado dinâmico. Mas, por ser um mercado de rede, há um fator crucial para garantir o sucesso: a infraestrutura.

O mercado de gás é todo conectado pelas suas infraestruturas, são elas que permitem o pleno acesso dos agentes interessados. Na estrutura atual, majoritariamente, as infraestruturas essenciais, de escoamento, tratamento e transporte, são controladas por apenas um agente.

Esse modelo restritivo-social, por embarreirar o acesso a essas infraestruturas essenciais, penaliza também a expansão da exploração de potenciais reservatórios de gás em áreas terrestres, projetos que já são amplamente impactados por questões ambientais.

Com a premissa de acesso às infraestruturas essenciais, a multiplicidade de agentes produzindo e consumindo gás demanda a expansão das mesmas. Por sua vez, a expansão sustentável da demanda também depende de um mercado livre bem estruturado e harmonizado pelo país.

Todos estes fatores em linha, pautados no acesso à infraestrutura e abertura do mercado, possibilitarão a criação de um mercado dinâmico com verdadeira competição gás-gás (Figura 2).

Figura 2. Inter-relação entre as frentes com a atuação para abertura da Infraestrutura

Fonte: elaboração própria.

Como resultado da estrutura atual, por exemplo, o transporte é custeado de modo social. Demandantes nos extremos da rede são subsidiados por aqueles próximos ao polo produtor, ignorando vocações regionais e restringindo o desenvolvimento geral da economia.

Como resultado desse cenário, em reais, mesmo com o óleo mais desvalorizado que durante o boom das commodities, temos o gás mais caro desde 2007, em torno de 40 R$/MMBtu. Em 2010, estava em pouco mais que 15 R$/MMBtu (Gráfico 1).

Gráfico 1. Evolução do Preço do Gás Natural no Sudeste

 

 

Fonte: elaboração própria com dados do MME, 2019

O mercado de vinho e outras bebidas alcóolicas encontrou uma solução nos Estados Unidos. E no Brasil estamos, novamente, em uma janela de oportunidade para o mesmo acontecer.

O estado do Rio de Janeiro é um exemplo claro dessa realidade perversa, o que mais perde, mas que também pode mais se beneficiar. É o maior produtor e maior consumidor, mas é o que possui o gás mais caro do país. Essa dicotomia, coloca em risco mais de 40 mil empregos industriais, os empregos indiretos sustentados pela atividade industrial e todas potenciais vagas que deixam de serem geradas pelas incertezas no ambiente de negócios.

Os estados vizinhos, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, também seriam amplamente beneficiados com melhorias no modelo do mercado.

Já as regiões Centro-Oeste e Sul do país avançam nesse cenário. Parte da capacidade do Gasoduto Brasil-Bolívia foi aberta para novos ofertantes e o modelo de tarifação irá refletir melhor a utilização, de fato, da infraestrutura, além de melhorar a eficiência de seu uso.

O potencial vai muito além do aumento da oferta de gás. Estamos levando muito tempo já, mesmo com avanços acontecendo, a regulação é mais devagar que a necessidade da economia. E a economia precisa agora.

Acesse o próximo artigo da série aqui.

 

Fernando Montera é economista e especialista em Gás Natural e Petróleo na Firjan

Os conteúdos e as opiniões aqui publicados são de inteira responsabilidade dos seus autores. O Sistema FINDES (IDEIES, SESI, SENAI, CINDES e IEL) não se responsabiliza por esses conteúdos e opiniões, nem por quaisquer ações que advenham dos mesmos.

1 Comment on "Gás, vinho, abertura do mercado e desenvolvimento econômico"

  1. Muito bom Fernando!!!
    Leve e didático.
    Parabéns. Abs

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