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Série Gás Natural: Diferencial competitivo ou entrave ao crescimento?


por Nathan Diirr

O Ministério de Minas e Energia está estudando um novo formato de atuação para atender as demandas dos agentes do setor de gás natural. A proposta, chamada de “Novo Mercado de Gás”, será embasada no projeto “Gás para crescer”.

O gás natural é uma fonte de energia limpa, formada por uma mistura de hidrocarbonetos leves, oriunda de decomposição de matéria orgânica. Comparado às tradicionais fontes de energia, possui vantagens ambientais, econômicas e sociais, ligadas à sua produção e ao consumo. As reservas do combustível podem estar atreladas ao petróleo ou a água, denominado como gás associado, ou ainda livre das duas substâncias, classificado como não associado. No Brasil, o gás natural é predominantemente de origem associada ao petróleo, sendo destinado principalmente à geração de energia e aos segmentos industriais.

No país, a indústria do gás natural é dividida em três fases: molécula (exploração e produção), transporte e distribuição. A produção da molécula é uma atividade monopolista, realizada 94% pela Petrobrás[1] e seu preço é indexado a uma cesta de óleos combustíveis internacionais[2]. A atividade de transporte é caracterizada por um monopólio natural[3], visto que os investimentos necessários são muito elevados e os custos marginais são baixos. O preço do transporte é definido pela metodologia “postal”, com o rateio dos custos da malha de dutos pelos estados consumidores e regulado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Por fim, a Constituição Federal estabeleceu, aos estados da federação, a administração da distribuição final do gás, usualmente concedido à iniciativa privada o direito de explorar esse serviço[4].

O setor é suscetível às falhas de mercado devido à concentração societária de todos os elos da produção, transporte e parte da distribuição. As falhas de mercado são situações em que a livre interação entre demandantes e ofertantes não converge para níveis satisfatórios de eficiência, dada a ausência de concorrência. Nesse cenário, a intervenção governamental pode aumentar a eficiência, através da atuação de agências reguladoras. A ANP é responsável por regular a exploração, produção, processamento, liquefação, transporte, regaseificação, estocagem e comercialização de Gás Natural Liquefeito (GNL). No caso do Espírito Santo, a Agência de Regulação de Serviços Públicos (ARSP) é responsável pela regulação da distribuição do gás natural no estado, sendo o serviço realizado pela BR Distribuidora[5].

Cabe destacar que as agências reguladoras possuem como objetivo a fiscalização da produção e/ou serviços com a finalidade de ampliar o bem-estar via política governamental de correção das falhas de mercado. Para tanto, princípios são importantes para atuação dessas autarquias para melhor alocação dos objetivos pretendidos. Em artigo do jornal Valor Econômico, Santana[6] (2017) destacou a necessidade que o setor de gás natural possui em absorver esses fundamentos regulatórios que já são difundidos no setor elétrico. São dez princípios importantes para melhoria das condições regulatórias: respeito ao direito de propriedade, meritocracia, transparência, isonomia, priorização de soluções via mercado, adaptabilidade, coerência, simplicidade, previsibilidade e respeito ao papel das instituições. Alcançar esses princípios não é trivial e, nos últimos anos, tornou-se uma demanda necessária para melhoria do ambiente de negócios do setor.

A melhoria das condições regulatórias do gás natural possui a capacidade de reduzir o custo para os consumidores, assim como possibilitará a abertura de novos negócios, inclusive aumentando a competitividade das indústrias consumidoras do insumo. As fontes energéticas são variáveis imprescindíveis dentro da estrutura de custos das indústrias e o gás natural pode vir a ser o diferencial competitivo para o Brasil. Segundo dados da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), nos últimos 20 anos, as reservas de gás natural cresceram 20% e é nesse aumento da disponibilidade que a instituição verifica um cenário de crescimento do PIB, oriundo de uma queda do preço do insumo, gerando maior competitividade para indústria. O levantamento do último anuário estatístico da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2017), apontou que o Brasil possui 608,4 bilhões de m³ em reservas de gás natural, concentrados nos estados do Rio de Janeiro (63,5%), do Espírito Santo (11,2%) e de São Paulo (9,8%).

Os principais agentes do setor possuem uma pauta fixa que se prolonga entre os anos e os governos. De forma geral, a proposta é um novo desenho do mercado de gás natural no Brasil, com mecanismos regulatórios capazes de diversificar os atores envolvidos, sendo capaz de aumentar a oferta e a demanda, bem como facilitar o acesso à infraestrutura disponível de transporte. A ideia é uma investigação minuciosa ao longo de uma série de artigos, nesse blog, para detalharmos as propostas de redesenho do setor, bem como o impacto para o Brasil e para o Estado do Espírito Santo. O próximo artigo da série analisará o assunto que iniciamos nesse artigo, a nova proposta do “Novo Modelo de Gás Natural” que vem sendo articulado pelo governo federal. O texto abordará as principais propostas e o impacto para o Espírito Santo. Clique aqui para ter acesso.

[1] Fonte: Anuário Estatístico ANP

[2] De acordo com a metodologia netback price.

[3] O monopólio natural surge quando uma empresa atende todo o mercado com custo inferior ao que existiria, caso houvesse outras empresas operando.

[4] Cabe destacar que a Petrobras possui participação acionária em 20 das 27 distribuidoras estaduais de gás.

[5] A Lei Estadual nº 10.493/2016 reconheceu a extinção/nulidade da concessão de 1993 e mantém a concessionária vinculada ao cumprimento das obrigações do contrato pelo período necessário para que o Estado promova nova concessão. No final de 2018, a lei 10.955/2018 criou a nova empresa de gás (ES Gás) que vai explorar o serviço de distribuição de gás no território capixaba com o Estado sendo detentor de pelo menos 51% das ações.

[6] SANTANA, Edvaldo. “Um princípio para o gás natural”. Valor Econômico. Rio de Janeiro, 09 de abril de 2017.

 

Nathan Diirr é economista e analista do Ideies.

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